Saudade amolece coração de Allen

Depois de quatro filmes no exterior, diretor volta a NY, onde agora mixa uma comédia romântica, e fala de projetos e de Cassandra''''s Dream, rodado em Londres

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Por Ryan Stewart
Atualização:

O escritor e diretor Woody Allen retoma seus impulsos mais sombrios em Cassandra''''s Dream, um thriller rodado em Londres que explora o que dois irmãos pobres farão para enriquecer - ou pelo menos sobreviver - e o que seu tio rico fará para não ficar pobre, ou pior. O filme não tem previsão de estréia no Brasil. Serão inevitáveis as comparações com Match Point (2005), o drama de Allen aclamado pela crítica sobre os caprichos do destino e da sorte. Desta vez, contudo, a ênfase não está nas tensões entre homens e mulheres, mas em quanto as lealdades familiares podem ser forçadas ou testadas antes de cederem. A Première conversou com o cineasta em Nova York, onde ele está mixando seu próximo filme, a comédia romântica Vicky Cristina Barcelona, rodada na Espanha com Scarlett Johansson e Javier Bardem. E então, em que você está trabalhando hoje? Hoje estou dando algumas entrevistas para a estréia do filme, pois estou aqui, disponível, e quero cooperar com as pessoas que o distribuem. Você terminou de mixar e editar Vicky Cristina Barcelona? Já terminei a edição, mas não a mixagem. Na verdade, estamos agora no meio da mixagem, e da correção de cor, mas a montagem do filme já foi feita. Li em algum lugar recentemente que Steven Spielberg sempre faz cinco sessões de montagem em seus filmes. Quantas vezes você monta? Acho que montamos uma vez, e então refinamos. Não monto novamente o filme inteiro. Posso mudar uma cena, encurtar uma cena, retirar uma cena e então incluí-la novamente mais tarde, mas, basicamente, a primeira montagem do filme é o filme. Então você está quase no ponto em que nunca mais verá o filme novamente, já que você prefere não revisitar seus trabalhos. Terei de vê-lo quando fizer a correção de cor. Não o verei com som, mas vou checar a mixagem uma vez e, assim que ela estiver concluída, esta será provavelmente a última vez que ouvirei o filme. E então farei a correção de cor e pronto. Terei visto o filme cem vezes. Assisti Cassandra''''s Dream recentemente e achei o personagem de Colin Farrell interessante. Ele é diferente de muitos dos personagens de seus dramas de assassinato. Em Match Point e Crimes e Pecados (1989), a questão era como um materialista racional ou um ateísta lida com uma crise moral, mas esse personagem, claramente, crê em Deus. Bem, eu queria retratar três personagens. Queria um homem que não tivesse problema em se comprometer e outro que não poderia agüentar, porque no fim ele simplesmente teria consciência demais. Algo lhe pareceu errado e ele não pôde suportar. Ele não tinha certeza de que não existia algum tipo de ordem moral no universo e concluiu que havia transgredido essa ordem de alguma maneira e precisava corrigi-la. E então há um irmão capaz de lidar com uma concessão moral e um tio completamente amoral que pode fazer com que esses rapazes cuidem de seu problema e, no fim, simplesmente ir embora sem problema nenhum. Eu quis obter um contraste entre esses três. Ao filmar um drama negro como este, você acha em algum momento que ele precisa de algum humor para não ser opressivamente desolador? De vez em quando. Há algumas risadas neste filme. Há algumas coisas engraçadas, como em Match Point quando Jonathan Rhys Meyers tenta montar o fuzil pouco antes de matar a mulher. As partes ficam caindo e ele não consegue montá-lo quando chega a hora, e então finalmente consegue. O mesmo ocorre aqui. Eles querem matar o homem, mas sempre há uma desculpa. Colin inventa uma desculpa: ''''Deixe-o falar com sua mãe primeiro, e então o mataremos.'''' Há coisas mais leves, permitindo um pequeno alívio em meio à tragédia implacável que se desenrola. Conhecer o homem numa festa e ficar cara a cara com ele, sabe, teve um caráter mais leve. Não vou fazer piadas, mas existem momentos mais sutis, irônicos, divertidos, na esperança de obter um ritmo mais leve. Certamente você tem o mesmo controle de sempre sobre seus filmes, mas eu me pergunto se, hoje em dia, você sofre mais pressões para oferecer coisas como extras de DVD. Não, não sofro pressão nenhuma. Ninguém nem sequer sugere isso. Faço o filme e então lanço, e eles põem no DVD. Invariavelmente, eles me perguntam: ''''Você tem alguma sobra? Tem algo que possamos colocar aqui?'''' Mas eu quase nunca tenho. E não sou o tipo de pessoa que quer comentar meus filmes enquanto vocês os assistem. Por isso, meus DVDs são bem esporádicos. E quanto a materiais que interessariam a seus fãs, como as cenas perdidas da montagem Anhedonia de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977), aquela com você jogando basquete contra os Knicks e outras cenas? Tudo isso provavelmente não existe. Provavelmente destruí isso há 20 anos. Verdade? Esse material não está apodrecendo em algum depósito? Essas coisas, não. Guardamos material dos dois filmes mais recentes e, assim que surgem outros, jogamos fora. Para você faz diferença seus filmes serem vistos numa tela grande, numa tela de TV ou em algo menor? Sim. Prefiro que eles sejam vistos na tela grande. É para isso que os filmes são feitos. Imagino que um dia, quando você estiver em sua sala de mídia em casa, com alta definição e uma tela de 2 m x 3 m ou algo parecido, não haverá muita diferença. Mas a verdade é que o filme é feito para uma tela de cinema, uma tela maior que a vida real, com o público enchendo a sala, cochichando, saindo e dando sua opinião. É uma experiência social e uma experiência comunitária. Assim, não gosto que os filmes sejam vistos pela primeira vez em DVD, mas não há nada que se possa fazer, pois a cultura caminha nessa direção. Agora você está de volta a Manhattan, preparando-se para filmar na primavera, depois de quatro filmes no exterior. A distância amolece o coração? A distância amolece meu coração. Fiz o primeiro filme, Match Point (em Londres), porque eles ofereceram o dinheiro. Eu havia concluído o roteiro para Nova York e estava quase pronto para filmá-lo em Nova York quando eles apareceram e disseram: ''''Daremos todo o dinheiro necessário para você fazer o filme em Londres. Faça-o lá.'''' Fui para lá apreensivo, mas tive uma ótima experiência, pois o tempo estava tão bom, o céu estava tão cinzento e bom para o trabalho com a câmera que voltei no verão seguinte e fiz um pequeno filme (Scoop - O Grande Furo) com Scarlett (Johansson), apenas pela graça de trabalharmos juntos, um pequeno filme trivial que fizemos para nossa diversão pessoal. Então voltei novamente para filmar Cassandra''''s Dream porque estava gostando e eles estavam financiando. E então o pessoal de Barcelona disse que, se eu fosse até lá fazer um filme, eles financiariam. Então eu fui e fiz esse filme no verão passado. Então é tudo muito prático. Sim, é muito prático. Agora começarei a filmar em Nova York daqui a umas oito semanas, ou seis. Depois disso, no entanto, realmente dependerá do que eu arranjar. Pessoas falaram comigo sobre financiar filmes em Paris e Roma, então eu poderia fazer um filme nesses lugares. Ou, se eu conseguisse levantar o dinheiro com facilidade, provavelmente filmaria em Nova York. Por falar nisso, o que você e Scarlett estão fazendo para aquela antologia, I Love New York? O jornal The New York Post disse que cada um de vocês está dirigindo um dos curtas. Isso foi uma invenção total - em relação a mim, quero dizer. Não tenho idéia do que ela estaria fazendo. Não ouvi nada. Não estou nem nunca estive ligado a isso de nenhuma maneira. Scarlett é uma espécie de aluna sua? Ela é apenas uma garota muito, muito talentosa. É uma garota muito bonita, muito sensual, muito, muito habilidosa e com um grande alcance. Ela pode atuar num drama, pode atuar numa comédia. Atua neste filme romântico que fiz no verão e está maravilhosa. É um prazer trabalhar com ela. Se há um papel para ela em meu roteiro, sempre acabo por chamá-la, pois a conheço, me tornei seu amigo, é muito fácil trabalhar com ela e ela sempre corresponde às expectativas. Assim, se o papel é bom para ela, eu a chamo primeiro, em vez de procurar alguma estranha. Há um papel para ela em seu projeto da primavera? Não. Com que freqüência você vai ao cinema atualmente? Bem, tenho uma sala de projeção onde faço minha edição, então normalmente realizo sessões ali. Meu assistente telefona e aluga um filme no fim de semana. Como qualquer outra pessoa nos Estados Unidos, costumo ir no sábado à noite. Geralmente faço uma sessão para mim mesmo e meus amigos em minha sala de projeção. Você não gosta do ambiente de uma sala de cinema pública? Gosto, sim, mas fiquei preguiçoso com o passar dos anos, e (minha sala) é perto de minha casa, basta dar um pulo até lá. Vejo os filmes numa tela inteira, num cinema de verdade - é uma sala de projeção com imagem em tamanho grande, bom som e tudo o mais -, e não em vídeo. É apenas um pouco mais conveniente para mim. De vez em quando, no entanto, eu apareço. Faço uma caminhada de dia com minha mulher e paramos num cinema, pois é fácil ir de dia. Não há muita gente e podemos nos sentar. Ainda é um prazer para mim.

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