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São Paulo é uma festa

Por Matthew Shirts
Atualização:

Estava já escuro quando saímos do Metrô na estação São Bento. Partimos a pé em direção à Avenida São João. A idéia era assistir ao show de Cesária Évora, na esquina da Rua Aurora, no centro de São Paulo. Chegava gente de todos os lados ao centro, de todos os tipos. Jovens de mochila, senhoras com cadeiras de praia, crianças, famílias, gays, rastas e semi-rastas, hippies, gringos e outros forasteiros apontavam máquinas digitais, havia cabeludos, e até alguns conhecidos. Avançamos pela multidão, sem pressa, pela São João. O povo foi se aglomerando na frente do palco da cantora de Cabo Verde. Do meu lado direito uma arrumadeira do Hotel Luxe assistia à cena, da calçada, ereta e impecável no seu uniforme, atenta ao movimento de pedestres. Uma bela foto, pensei. Chamamos a atenção do Samuel, meu caçula, de 4 anos, para uma acrobata pendurada em um guindaste no céu. Iluminada por holofotes no chão, contorcia seu corpo em movimentos improváveis, jogando sombras gigantescas nos prédios. Parecia cena de filme do Batman ou Homem-Aranha. Adorei. Pelo celular, marcamos encontro numa fonte com a mãe e o pai da Céci, colega de Samuel na escolinha. Apareceram no fim da apresentação da Cesária, acompanhados de amigos e outras crianças. Estas insistiram em subir na fonte seca, apesar dos meus protestos. Correram e pularam, brincaram para valer em meio à sujeira. Conseguimos tirá-las de lá e seguir pela Aurora até o Largo do Arouche, onde Nelson Ned cantava músicas gospel americanas em tradução. Uma cena insólita. Na nossa frente, um jovem com pinta de "dance instructor" latino ensaiava uns passos com uma loira evangélica relutante. Resolvemos buscar comida no Ponto Chique, no Largo do Paiçandu, mas a fila saía pelo ladrão. Achamos um pastel. Começava a ficar tarde para as crianças. A essa altura as ruas estavam lotadas. Ficava mais difícil se locomover. Antes de voltar à estação do metrô passamos por uma balada forte, lotada de jovens espremidas nas passagens estreitas do antigo distrito financeiro, perto do edifício do Banespa. Um DJ suspenso numa bolha transparente comandava um baile tecno, ao ar livre, com jeito de Ibiza. Bombava. Fiquei com saudades dos meus 20 anos. Vendiam-se chifres de Diabo fosforescentes pela rua. Céci, primeiro, e Samuel, logo depois, fizeram a mesma pergunta, dúvida infantil: "Mãe, estamos no Brasil?" Tive de dar risada. Era a questão certa. Resumiu o exotismo que crescia ao nosso redor. Estávamos era na Virada Cultural, claro. Isso faz um mês. Se feita por um adulto, a pergunta talvez fosse: "Cara, estamos em São Paulo?" Afinal, nossa cidade não era conhecida pelas festas. Desde que cheguei aqui, há duas décadas, me disseram que esta era a terra do trabalho. Festejava-se e para valer no Rio, em Salvador, no Recife. Em São Paulo, não. No máximo, rolava uma campanha por eleições diretas uma vez na vida, um campeonato ou outro ganho pelo Corinthians. A maior festa era a corrida de São Silvestre, que é legal, e era mais à noite, mas não se compara ao réveillon em Copacabana, convenhamos. Foge-se, ou melhor, fugia-se daqui em todos os feriados. São Paulo mudou. Pensei nisso ao receber um email de uma amiga que mora em Brasília na semana passada. Disse ela que vinha para cá no sábado cumprir o dever cívico. Quando perguntei do que se tratava, explicou que pretendia desfilar na parada gay... "Já!?", pensei, "a Virada foi outro dia." Escrevo antes do evento gay. Mas a imprensa dizia que seria "a maior parada do mundo", sem muito exagero, como sabemos. Nossa cidade encontrou uma nova vocação. Com os desfiles cada vez mais bem produzidos das escolas de samba no carnaval, a Virada, a parada gay, sem nem contar a Fashion Week e a Fórmula 1, estamos nos tornando a cidade das festas, das grandes baladas. E deve continuar assim, acredito. No metrô, voltando da Virada, no mês passado, cantaram parabéns para uma aniversariante. Todos ali, no vagão, se empolgaram e entoaram a canção, com direito a pique-pique, ah, tchim, bum e tudo o mais. Samuel assistiu à cena com atenção. Quem teve filhos nos últimos 20 anos conhece a pressão para fazer festas nos bufês infantis da cidade. Sammy vislumbrou ali uma nova possibilidade. E arriscou: "Mãe, dá para fazer festa de aniversário no metrô?" Se a moda pega...

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