Roubaram as três cores primárias. isso dá uma peça?

Dá, mas é preciso ter um mínimo de criatividade e ação - e HQB não tem

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Por Crítica Dib Carneiro Neto
Atualização:

Falta de criatividade é o grande defeito do espetáculo para crianças HQB - Teatro Virando Gibi!, em cartaz no Teatro Procópio Ferreira, com ingressos a preço de superprodução (R$ 50) e, em contrapartida, uma pobreza de idéias que chega a constranger. Tudo piora quando se percebe que há claros propósitos pedagógicos na bem-intencionada empreitada. É possível querer tratar no palco de temas como "o que é onomatopéia" ou "quais são as cores primárias"? Sim, é possível. Mas, hoje em dia, querer levar isso ao teatro demanda um esforço criativo descomunal, por conta da diversidade de linguagens artísticas a que as crianças do século 21 têm acesso. Mas HQB, tão tatibitate, tão vazio de conceitos e de ação, parou no século passado e repete as piores fórmulas da época em que surgiram as loiras da TV e seus baixinhos e seus dedinhos e quetais. As letras das canções, por Eduardo Capello, são absurdamente banais. Em vez de trazer elementos novos, ágeis e atuais para sua declarada meta didática, HQB, com direção cênica de Flávio de Souza, faz desfilar fórmulas que, talvez, nem as rasas apresentadoras de programas infantis na TV usem mais. Nada acontece. Não há conflito. Não se torce por nada. Não se tem medo de nada. Nada emociona. Nada arranca uma gargalhada gostosa da platéia. A vilã, uma tal ?Escuridão?, demora a surgir, fica em cena dez minutos, cantando aos berros, sem provocar medo em ninguém. E quem merece aquela outra que se diz a ?Inspiração? e surge no final, vestida de branco, para arrematar tudo com uma canção melosa e os mais ridículos clichês de pieguismo? O enredo: a escuridão roubou as cores primárias e, por isso, as páginas dos gibis ficaram só no preto-e-branco. Isso é conflito que sustente mais do que cinco minutos da atenção de alguém? Quadrinhos em preto-e-branco são os mais belos e expressivos da história do gênero. O texto de HQB, de Vivian Perl (que é roteirista de vários filmes da Xuxa e cursou especialização em programas infantis na Thompson Foundation Television College, ligada à BBC), em co-autoria com Beto Marden, ignora a agilidade de raciocínio e a inteligência das crianças, lançando mão de frases velhas, rançosas, como "temos de ouvir nosso coração", "unidos venceremos" ou similares. Os quatro atores (Beto Marden e Fabíola Ribeiro, do elenco de apresentadores do Disney Chanel, e mais Pedro Bosnich e Rejani Humphreys, veteranos de musicais) até demonstram ter um potencial de talento a ser bem explorado. Mas, na maior parte do tempo, a falta de direção (e de rumo) é tão flagrante que se tem a impressão de estar num show amador de festinha de aniversário em bufê infantil. Um telão exibindo reproduções animadas de páginas de gibis (tudo assinado por Osíris Jr.) faz as vezes de cenário, interagindo com os atores. Ok, é claro que a linguagem audiovisual atrai o público mirim. Mas onde estão as infinitas possibilidades dramatúrgicas que se poderia tirar desse rico recurso de produção? Puro desperdício de dinheiro. Nossos filhos vão crescer intelectualmente mais saudáveis sem esse tipo de espetáculo que, se em tempos remotos era até ?justificável?, agora muda para a categoria de ?dispensável?, já que não estimula a fantasia nem a criatividade de ninguém. Para aprender que "Querida se escreve com Q" e "Hora é com H", não é preciso freqüentar uma "peça teatral" que, aliás, não é nem peça nem teatral. Serviço HQB - Teatro Virando Gibi! 60 min. Teatro Procópio Ferreira (670 lug.). Rua Augusta, 2.823, 4003-1212. Sáb. e dom., 16h. R$ 50. Até 27/4

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