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Romancista vê sua obra viva no palco

Premiado livro de Milton Hatoum ganha transposição cênica dirigida por Lage

Por Beth Néspoli
Atualização:

Soava como tarefa quase impossível - adaptar para o palco o livro Dois Irmãos, de Milton Hatoum. Lançado em 2000, premiado com o Jabuti, considerado por críticos o melhor romance brasileiro dos últimos 15 anos, tem trama que gira em torno do conflito entre os gêmeos Omar e Yaqub, descendentes de libaneses que vivem em Manaus, uma história narrada sob o ponto de vista de Nael, filho da empregada, que suspeita ser filho de um dos gêmeos. Ouça trechos da entrevista com Hatoum Difícil era dar conta das muitas histórias que se entrelaçam em Dois Irmãos e, o mais arriscado, dos ecos que ressoam nesse romance, soprados de muito longe, de Caim e Abel, ecos da floresta, de ancestrais origens indígenas, da brutalidade da colonização, de vivências ouvidas por avós imigrantes, de conflitos decorrentes da passagem do rural para o urbano. Mas, a julgar pelo ensaio acompanhado pelo Estado no início da semana, é acerto feliz a adaptação de Jucca Rodrigues e tem tudo para emocionar a platéia o espetáculo dirigido por Roberto Lage que estréia hoje, no Centro Cultural Banco do Brasil. Surpreende o tom alcançado pelo elenco, que consegue dar vida aos personagens com a intensidade exigida, sem rompantes ou arroubos. Assim, conduzem o espectador com delicadeza pela conturbada trajetória da família formada pelo patriarca Halim, interpretado por Luiz Damasceno, sua mulher Zana, vivida por Imara Reis, e seus filhos, os gêmeos Omar (Jiddú Pinheiro) e Yaqub (Gabriel Pinheiro), e Rânia (Tatiana Thomé). Viviane Pasmanter é Domingas, a índia empregada da casa. E Rodrigo Ramos, seu filho Nael, o narrador, o que desconhece suas origens, o brasileiro pobre, nem índio, nem imigrante, em busca de seu lugar numa nação em movimento. Sacudida, perto do desfecho da história, pelo golpe militar de 1964. Bete Correia interpreta Livia, a mulher que provocou a primeira briga grave entre os gêmeos, ainda meninos, e a conseqüente divisão familiar. Foi a essa atriz, sua amiga, que Milton Hatoum cedeu os direitos de adaptação. "Eu só concordei quando soube quem seriam as pessoas envolvidas, o Lage, o Damasceno...", diz Hatoum. Quanto à adaptação para as telas, ele cedeu os direitos especificamente para o diretor Luiz Fernando Carvalho, que vai transpor o romance para a TV, mais uma microssérie do projeto Quadrante. "A idéia é adaptar histórias de cada região. Começou com A Pedra do Reino, de Suassuna, o próximo será Dom Casmurro e o meu será o quarto." O espetáculo surgiu de uma brecha aberta na programação do CCBB. "O tempo de preparação era curto, mas tínhamos o romance para trabalhar enquanto Jucca fazia a adaptação." Pelo visto, deu certo.

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