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Roberto faz tudo igual, mas as lágrimas são novas

Cerca de 9,5 mil pessoas foram ao Ginásio do Ibirapuera, agitaram velas falsas e se emocionaram com o primeiro de 9 shows que o cantor capixaba faz na cidade

Por Jotabê Medeiros
Atualização:

Uma lágrima escorreu do rosto da cantora Mariana Kupfer, na fila E, quando Roberto cantou Eu te Amo, Te Amo, Te Amo. O padre Antônio Maria, de hábito de monge, dançou ao estilo do personagem Coisinha de Jesus enquanto a banda tocava Jesus Cristo, e Roberto viu lá de cima o amigo de fé e irmão camarada e piscou para o padre do palco. E o rapaz na fila da frente que conseguiu apanhar uma rosa guardou-a no peito enquanto tomava uma taça de Prosecco na sala VIP. Na noite de sexta-feira, frente a 9,5 mil pessoas no Ginásio do Ibirapuera, Roberto Carlos estreou o primeiro de nove shows em São Paulo. Foi um concerto sem nenhuma nota fora do script, nenhuma palavra improvisada - do "Que prazer rever vocês!" que é o tradicional cumprimento inicial à última rosa aberta que deu às fãs (quando ele acha no buquê uma rosa ainda em botão, ele a recusa e devolve ao percussionista Dedé, que a deposita no púlpito com as partituras). Agitando velas falsas (pequenas lanternas em forma de vela), a plateia sabia de cor todo o repertório, e todas as piadas, e conhecia até o teatrinho de apresentação dos músicos (a rebeldia consentida do pianista Wanderley, a modéstia do genro e violonista Paulinho), mas a audiência de Roberto sempre cumpre bem o seu papel. É um reencontro de velhos amigos. Roberto, hábil costureiro das almas de gerações, faz reverências àqueles que o ajudam a atravessar as décadas sem envelhecer, como a cantora Claudia Leitte, que gravou seu sucesso Amor Perfeito. Enquanto imagens da estação de trem de Cachoeiro, do Rio Itapemirim e da infância passeiam no telão, Roberto vai a uma sequência que faz até o juiz de menores molhar o lenço: Aquela Casa Simples, Lady Laura e Meu Querido, Meu Velho, Meu Amigo. Falam de coisas como a exigência materna de que não se tornasse "um vagabundo" e que "trabalhasse muito" e, no final das contas, materializam angústias de milhares de pais que os fãs tiveram, ou os pais que se tornaram. "Ninguém está sozinho numa situação como essa", diz Roberto Carlos, ao encenar os versos finais de Outra Vez - que ele canta dedilhando o violão, com acompanhamento de cordas e banda. "Eu gostaria de escrever só sobre amores bem-sucedidos, mas a vida não é assim", contou o rei, antes de cantar uma novidade que voltou ao seu repertório recentemente, no show do Maracanã, Do Fundo do Meu Coração, de 1986. O que teria acontecido naquele ano de 1986 para Robertão fazer uma canção tão machucada? "Se me perguntar se ainda é seu/ Todo o meu amor eu sei que eu/ Certamente vou dizer que sim/ Mas já depois de tanta solidão/ Do fundo do meu coração/ Não volte nunca mais pra mim." Na sequência, veio o set "moteleiro", uma sequência de músicas que Roberto define como do seu repertório "sensual", um período entre os anos 1970 e 1990, que vem sem pausas: Proposta, Seu Corpo, Os Seus Botões, Café da Manhã e a "indecente" Cavalgada, que termina num crescendo como show de metal melódico, de rock progressivo desgarrado. Roberto Carlos é Yes, é João Gilberto, é Chuck Berry. O ?Rei? é salsa em Mulher Pequena, é sertanejo em Caminhoneiro, é franksinatriano em Emoções. É populista nos arranjos e sofisticado na métrica, nas pausas, na voz que ainda não encontrou rival aqui. Tem consciência de que muitas das garotas (nem tão garotas mais) da plateia acalentaram durante anos o sonho de aproximar-se mais intimamente do seu vulnerável ídolo. Então, RC dá a contrapartida: passa a mão no peito, insinua palavras picantes, aceita a paquera coletiva descaradamente. Na fila D, a mulher pede ao marido que tire uma foto sua com Roberto ao fundo, enquanto este distribui rosas. Ela fica encarapitada na cadeira, o marido capricha no Blackberry. A foto não fica grande coisa, mas ela lhe dá belo beijo de gratidão.

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