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Revelador encontro com o passado

O monólogo Só marca o retorno do ator João Miguel ao palco no papel do homem que revê uma paixão da juventude

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Por Ubiratan Brasil
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Um homem volta à sua cidade depois de uma ausência de mais de 20 anos. Ao entrar em um bar, ele reconhece a pessoa com quem viveu, na adolescência, uma intensa relação - na verdade, seu primeiro grande amor. Eis o ponto de partida do monólogo Só, escrito pela jovem dramaturga italiana Letizia Russo em cartaz no Sesc Avenida Paulista, com a interpretação de João Miguel e a direção de Alvise Camozzi. Não se trata de um ajuste de contas, mas da celebração da juventude. O reencontro apaixonado permite ao homem surpreender-se com o próprio passado e, capturado pelas lembranças, busca entender a própria realidade. "O texto de Letizia é cativante por conta de sua arquitetura poética", comenta Camozzi que, fascinado pela peça, sugeriu a montagem para João Miguel quando se conheceram durante um trabalho que fizeram juntos para a televisão - da conversa inicial, passaram para assuntos comuns (como a paixão pela obra de Pasolini) até chegarem a Só, que o ator identifica como um pensamento falado. "O texto mostra como um homem vê o outro como um espelho. Assim, nossa proposta é a de criar uma relação com o público de forma que cada espectador tenha a impressão de que aquele fluxo de pensamento esteja acontecendo naquele momento, sem parecer encenado", comenta Miguel, ainda atordoado com o processo muito rápido - foi apenas um mês e meio de ensaios intensos. Longe dos palcos há oito anos, desde o sucesso que o tornou nacionalmente conhecido (o monólogo Bispo, sobre o artista Bispo do Rosário), o ator conta que novamente abriu a porta para o desafio. "Mas, enquanto Bispo foi fruto de uma pesquisa de quatro anos, Só nasceu a partir da escolha do melhor uso das palavras." Para isso, Miguel e Camozzi trabalharam especialmente no texto do monólogo. Segundo o diretor, há uma semelhança com uma partitura musical. "Embora estejam escritas em prosa, as falas se parecem com versos de um poema, mas com uma métrica livre, o que exige um cuidado muito grande com ritmo e tempos de pausa", afirma. "Por outro lado, aparecendo como um contraste, a linguagem é realista, bem próxima do cotidiano." O ator observa ainda que o original de Letizia Russo é um texto sem marcações. "Não há vírgulas, pontos, sinais de exclamação ou interrogação. Trata-se do fluxo do pensamento em seu estado puro." Outro detalhe lembrado pela dupla é o fato de não se valorizar a relação homossexual - sim, o homem reencontra aquele que foi o jovem que transformou sua vida na juventude. "Claro que não é um aspecto pequeno, pois foi por conta do preconceito contra esse amor que o homem teve de deixar a cidade", argumenta João Miguel. "Mas o sentimento é mais universal e independe da opção sexual de cada um." A estreia na sexta-feira teve diversos significados para o ator. Afinal, foi o mesmo dia em que completou 39 anos. Também foi a data quase exata em que, há oito anos, estreou Bispo. "Foram só três dias a mais", lembra ele que, entre um monólogo e outro, participou de 14 filmes. "Praticamente emendei um no outro, mas foi bom, pois agora consigo recuperar a adrenalina que só o teatro oferece." Para compor o clima pretendido por Alvise Camozzi, italiano radicado no Brasil, a montagem conta ainda com cenografia e iluminação minimalistas, criados pela artista plástica Laura Vinci. O espaço cênico é um chão de mármore do qual, em alguns momentos, jorra água, que escorre por parte do cenário. Há também escoras metálicas que servem tanto como apoio para João Miguel como para sustentar a iluminação. "Como o espetáculo é uma evocação, o espaço e a luz têm de marcar o tempo presente como também o momento da memória", diz o diretor. Serviço Só. 90 min. 16 anos. Sesc Avenida Paulista (65 lug.). Av. Paulista, 119, tel. 3179-3700, metrô Brigadeiro. 6.ª a dom., 20h30. R$ 5 a R$ 20. Até 17/5

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