Retrato da família no abismo

No livro de contos de Colm Tóibín, Mães e Filhos, o irlandês analisa os equívocos do amor incondicional

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Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

O escritor irlandês Colm Tóibín já é bem conhecido do leitor brasileiro. Quase todos os seus livros foram traduzidos para o português, primeiramente pela editora Record (História da Noite, O Sul), depois pela Siciliano (Amor em Tempos Sombrios) e, desde 2004, pela Companhia das Letras , que já publicou A Luz do Farol e O Mestre, os dois indicados para o Booker Prize. Se O Mestre, uma investigação sobre a nebulosa vida sentimental do escritor norte-americano Henry James, é um exemplo da sua delicada escritura, o livro de contos Mães e Filhos (tradução de Beth Vieira, 272 págs., R$ 48,50) consagra Tóibín como o melhor contista em atividade na Irlanda. Sobre ser irlandês, ele não demonstra particular orgulho. "Você perde a identidade facilmente, o que te dá um aspecto camaleônico." Tóibín tem uma aparência austera. O olhar é profundo, as marcas no rosto lembram as de um prisioneiro, mas, numa análise demorada, sua postura de monge acaba prevalecendo. No entanto, uma troca de palavras é suficiente para desfazer essa imagem de santo. Curioso, cinemaníaco (é apaixonado por Bergman), esse ex-professor de inglês e jornalista, de 53 anos, resolveu tomar coragem e relembrar o próprio passado, após vasculhar o de Henry James. Como Almodóvar, que contou sua experiência em Má Educação, ele estudou em colégio de padres e foi vítima de abuso sexual, tema de dois dos nove contos de Mães e Filhos. No primeiro, O Uso da Razão, um bandido de Dublin recorda os anos passados num reformatório. Já no quinto conto, Um Padre na Família, uma velha senhora tem de lidar com a revelação de que seu filho padre é pedófilo. Tóibín foi criado entre mulheres dominadoras. A mãe cuidava de tudo, auxiliada pelas tias. O pai e os tios eram omissos. Estavam sempre sentados, silenciosos, enquanto as mulheres cozinhavam e tomavam decisões. Tóibín não se lembra de ter visto o pai mexendo em dinheiro ou decidindo o que quer que fosse dentro de casa. Assim, o retrato da ?mater dolorosa? irlandesa foi substituído pela imagem de mulheres fortes, que enfrentam a sociedade para defender a prole, sejam elas uma alcoólatra cúmplice do filho bandido, como em O Uso da Razão, ou a mãe do pedófilo em Um Padre na Família.

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