Renina Katz abre mostra conjunta de aquarelas com Fernando Lemos

Exposição é aberta na Galeria Garage

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Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho
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Por uma dessas inexplicáveis coincidências, Renina Katz, mestra da gravura que formou várias gerações, abre sua exposição de aquarelas no momento em que o segundo vulcão mais alto do Japão, o Ontake, entra em erupção. Existem outros 47 vulcões potencialmente perigosos no país asiático - inclusive o Monte Fuji, tão retratado pelos artistas do Ukiyo-e (Hokusai, entre eles), mas as aquarelas de Renina não buscam neles um pretexto para a representação.

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Seus vulcões são ensaios cromáticos que remetem às experiências protoimpressionistas de Turner - e bem anteriores às recentes erupções vulcânicas no Japão. A série de 24 aquarelas começou a ser produzida há quatro anos e, segundo a artista, prestes a completar 89 anos em dezembro, foi o mistério e o despertar brutal dos vulcões que a levou a tentar entender, por meio do desenho, o que a razão não consegue explicar - por que, por exemplo, o vulcão do Monte Fuji, que parece extinto há séculos, tem chances de ressuscitar numa erupção tão explosiva como a do Ontake.

A curadora da mostra Tamanhos, Rosely Nakagawa, convidou outro contemporâneo de Renina, Fernando Lemos, representante da terceira geração de modernistas portugueses naturalizado brasileiro, para apresentar uma espécie de contraponto visual dessas explosões vulcânicas. Lemos produziu 120 cartões-postais, pequenos e intimistas, recorrendo, inclusive, à palavra como veículo poético de sua reflexão filosófica sobre a experiência existencial. Ambos, Renina e Fernando, são veteranos premiados, que participaram de bienais e tiveram participação ativa como professores e diretores de instituições (Renina deu aulas na FAU/USP e Lemos foi diretor do Centro Cultural São Paulo).

Renina é de uma geração “em que todo mundo se relacionava”. Estava entre os professores da USP interrogados e submetidos ao primeiro inquérito policial da ditadura, em 1964. Por essa época, produzia uma arte definitivamente envolvida com questões sociais - passava horas desenhando e conversando com os retirantes que chegavam a São Paulo. Hoje, diz, o diálogo interclassista praticamente está extinto, como alguns dos 110 vulcões do Japão. “Não há ideologia, comunicação e mesmo um propósito nos dias de hoje”, comenta. Tudo é muito morno nesse mundo contemporâneo. Como no Apocalipse bíblico, é preciso uma erupção para acordar os anestesiados, os que não são frios nem quentes. “Está tudo tão tedioso que só mesmo um vulcão”, resume. 

A escolha da aquarela, técnica associada à delicadeza, para recriar uma explosão, sendo Renina uma gravadora, pode surpreender, mas a aluna de mestres como Carlos Oswald e Leskoschek tem motivos para retomar a aquarela e uma antiga questão cromática de Turner - que, aliás, começou sua carreira como aquarelista. Quando o pintor inglês passou ao óleo, misturando açúcar, mel e goma arábica às tintas, suas dificuldades para encontrar os pigmentos exatos eram tão grandes que ele encarregou o fabricante Winsor de produzir um branco opaco, atmosférico, que interagisse com o amarelo. William Winsor aceitou a encomenda, mas tanto o branco (White Lead) como o amarelo (Orpiment ou Kings Yellow) eram extremamente tóxicos. Destemida, Renina importou o branco.

O que está sob o branco é quase uma metáfora do vulcão extinto que, de repente, volta à vida. Ao contrário das vistas plácidas do Monte Fuji de Hiroshigue e Hokusai, as aquarelas com os vulcões de Renina usam cores fortes, quase como as paisagens crepusculares de Guignard, que conheceu em 1947. “Ele era gentil, gostava de ver o trabalho dos jovens”, lembra. Mas foi com o professor Henrique Cavalleiro (1892-1975), genro de Eliseu Visconti, que o gosto pela aquarela se fortaleceu.

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