Relíquias do bruxo em duas mostras

Nos 100 anos da morte de Machado de Assis, ABL e Biblioteca Nacional reúnem no Rio fotos, documentos e objetos pessoais

PUBLICIDADE

Por Roberta Pennafort
Atualização:

Em 1939, uma mostra organizada pela Academia Brasileira de Letras e a Biblioteca Nacional, conjuntamente, celebrou o centenário de nascimento de Machado de Assis. E agora em 2008, ano marcado pelo centenário de sua morte (29 de setembro), as duas instituições do centro do Rio, freqüentadas pelo escritor - a primeira, fundada por ele e guardiã de seu espólio, a segunda, detentora de todas as suas primeiras edições -, montaram exposições em separado para homenageá-lo. Na ABL, está em cartaz desde junho, e até dezembro, Machado Vive!, que privilegia o mobiliário e pertences pessoais do autor e ocupa três andares de seu prédio anexo. Hoje, a Biblioteca Nacional abre Machado de Assis: Cem Anos de Uma Cartografia Inacabada, com livros, fotos, caricaturas, documentos, jornais e revistas. "O bacana é ver que as instituições amadureceram. A diversidade é interessante. O que fica, no fim das contas, é Machado", diz o poeta Marco Lucchesi, curador da exposição da biblioteca, mergulhado nesse universo há um ano e meio. Ele não foi à da ABL, nem às outras, menores, também dedicadas ao clássico máximo da literatura brasileira, para não se deixar influenciar. Todos os setores da biblioteca se mobilizaram para levantar o acervo relativo a Machado. As primeiras edições serão expostas, assim como fotografias suas, novo e maduro, documentos de seu trabalho como funcionário público (fez carreira no Ministério da Agricultura), publicações com as quais colaborou, como a Marmota Fluminense (a partir de 1855) e a revista O Espelho (de 1859 em diante). Alguns itens serão vistos pela primeira vez, como o livro de tombo em que Machado registrou, em 1900, seus direitos como autor de Dom Casmurro. E ainda alguns álbuns de amigos em que ele deixou recados afetuosos; um retrato de Carolina jovenzinha, ou seja, o rosto, os olhos negros penetrantes pelos quais ele se apaixonou; o fac-símile de sua certidão de batismo, de 1839... Lucchesi frisa que se trata de uma mostra "republicana", "aberta, democrática, para os apaixonados, especialistas e quem passa pelo centro da cidade", e, acima de tudo, "guiada pelas impressões de Machado". "O curador fica eclipsado", explica Lucchesi, que montou uma réplica da livraria Garnier, freqüentada pelo escritor. "É uma espécie de túnel do tempo." Já vista por centenas de pessoas, a exposição da ABL, que tem curadoria de outro poeta, Alexei Bueno, teve o prazo estendido, tamanha a procura do público. Como diz o texto de abertura, "relembra sua morte, mas, muito mais do que isso, comemora sua vida". Estão lá alguns de seus pince-nez (sempre teve problema de visão), penas, tinteiros, cartas, parte de sua biblioteca, em português, inglês e francês (Goethe, Stendhal, Dickens, Schiller, Shakespeare, Gonçalves Dias) - aprendeu línguas estrangeiras estudando sozinho -, o manuscrito original de sua última obra, Memorial de Aires (1908), rasurado, a ata de fundação da ABL, em 1897. No último andar, parte do que ficou em sua residência: uma longa mesa de jantar em madeira, com dez cadeiras, a escrivaninha em que trabalhava, o jogo de xadrez com peças de madeira, um braseiro, uma graciosa sombrinha da sua mulher, a cama em que morreu, em 29 de setembro de 1908. As duas exposições são anunciadas como "uma das maiores" já realizadas sobre Machado. Lucchesi não dá importância a questões como essa. "O importante é o somatório de nossas visões, que são sempre parciais."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.