Reflexões sobre o nazismo ocupam os melhores títulos

Além de As Benevolentes, obras de Elio Vittorini e Szczypiorsky tratam do tema

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Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Livros que fazem a defesa intransigente do ateísmo por pensadores contemporâneos, obras sobre temas improváveis - como a história das emoções ou a da feiúra -, biografias e ensaios que analisam o terrorismo moderno marcaram o ano editorial com lançamentos cujas vendas surpreenderam os próprios editores. Como de costume, a literatura estrangeira teve mais espaço que a brasileira nos catálogos das editoras. Não foi um bom ano para a última também por conta do fraco desempenho do mercado editorial na área. São poucos os estreantes. Muitos dos livros de ficção brasileira lançados são títulos assinados por veteranos. As apostas em jovens escritores estrangeiros foram igualmente tímidas em 2007. Dominaram o mercado autores consagrados ou premiados, como J.M. Coetzee ou Ian McEwan, que compareceram, respectivamente, com Homem Lento e Na Praia. Nessa lista cabem ainda John Banville, autor do lírico O Mar, e Martin Amis, que apresentou sua reflexão sobre os gulags de todas as épocas em Casa dos Encontros. Porém, o destaque do ano fica mesmo para o franco-americano Jonathan Littell e As Benevolentes, grande prêmio de romance da Academia Francesa no ano passado e best-seller automático. Comentários sobre o ano literário O livro de Littell joga por terra as tentativas de matar o romance a golpes críticos como o do italiano Alfonso Berardinelli, autor do recém-lançado Não Incentivem o Romance, um dos muitos que decretaram a morte desse gênero literário que o autor de As Benevolentes mantém vivo - e muito vivo - com sua aguda percepção do que significou (e significa) a tragédia nazista para a humanidade. Littell usa memorialismo como disfarce. São memórias de um oficial nazista (fictício) que conseguiu sobreviver e conta sua história instalado numa cidade do interior da França. O escândalo é que o próspero industrial e ex-oficial de Hitler não se arrepende. O livro incomoda e é uma armadilha mortal para humanistas. Ainda assim, é preciso ler Littell. O ano foi pródigo também em edições e reedições de grandes autores mortos como o chileno Roberto Bolaño, os italianos Elio Vittorini e Leonardo Sciascia, o uruguaio Juan Carlos Onetti, o polonês Andrzej Szczypiorsky e poetas modernos como Sylvia Plath e Kaváfis. Bolaño, que viveu apenas 50 anos, foi apresentado ao leitor brasileiro com três obras escritas até o ano 2000 - A Pista de Gelo, Noturno do Chile e Os Detetives Selvagens. A literatura de Bolaño esbarra na de Onetti, herdando desse a crítica ao autoritarismo latino-americano e ao falso moralismo. E também o humor. Vittorini e seu Homens e Não, embora pessimista como As Benevolentes, é o anti-Littell. Militante comunista, lutou contra o fascismo durante a ocupação nazista e conta em seu livro a história de um líder partigiano. Seu patrício Leonardo Sciascia, também nascido na Sicília, foi como ele um escritor politizado, mas, ao contrário de Vittorini, buscou um elemento facilitador no gênero policial para contar, em A Cada um o Seu (Objetiva), a história de um farmacêutico de vilarejo ameaçado de morte por cartas anônimas. O polonês Andrzej Szczypiorsky, contemporâneo de Vittorini e Sciascia, conheceu como eles a opressão nazista e passou por um campo de concentração. Seu A Bela Senhora Seidenman conta a experiência de judeus no gueto de Varsóvia, elegendo uma viúva que se faz passar pela esposa de um oficial polonês. O memorialismo de Szczypiorsky é um contraposto real à ficção de As Benevolentes de Littell, que parece mais sintonizado com seus contemporâneos ateus, como Michel Onfray (Tratado de Ateologia), Christopher Hitchens (Deus Não É Grande) e Richard Dawkins (Deus, Um Delírio), o trio mais conhecido entre tantos que já decretaram a falência do fundamentalismo religioso e político. No entanto, esse é um tema que continua a render muitos livros. Entre os vários títulos que trataram do assunto, três se destacam: O Vulto das Torres, de Lawrence Wright, O Bazar Atômico, de William Langewische e Sobre o Islã, de Ali Kamel. O primeiro revela o marco zero do radicalismo islâmico e o nascimento da Al Qaeda. Já Langewische fala da proliferação nuclear em países do Terceiro Mundo. Ali Kamel tenta desfazer alguns equívocos provocados por outros livros sobre o tema, que tendem a confundir muçulmanos com terroristas. Das biografias lançadas, duas se destacam, Einstein, por Walter Isaacson, que, entre outras coisas, fala do sentimento de culpa do cientista com relação à bomba atômica, e a autobiografia do alemão Günter Grass, Nas Peles da Cebola, em que conta sua passagem pelo nazismo como membro da Juventude Hitlerista. Dos poucos lançamentos brasileiros de ficção, para ficar em apenas cinco dos melhores livros do ano, a lista poderia incluir O Filho Eterno, de Cristóvão Tezza, O Amor Não Tem Bons Sentimentos, de Raimundo Carrero, Vira e Mexe, Nacionalismo, de Leyla Perrone-Moysés, A Copista de Kafka, de Wilson Bueno e O Sol se Põe em São Paulo, de Bernardo Carvalho, ficção sobre um escritor que viaja ao Japão e faz menção a um romance inacabado de Tanizaki, autor lembrado com o lançamento de Em Louvor da Sombra. Finalmente, dos livros sobre temas improváveis, História da Feiúra, de Umberto Eco, lidera uma lista de lançamentos na qual figura ainda Uma História das Emoções, de Stuart Walton, curioso compêndio de um autor que se opõe ao relativismo cultural.

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