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Ratos saem do porão e roem tudo

Seus gritos contra o sistema podem ser ouvidos no longa que estreia em maio

Por Marco Bezzi
Atualização:

"A gente não tem separação de estilo, nós somos tudo doido. Punk! Headbanger! Não Deus, não satanás! Somos uma geração contra tudo que é misticismo. A realidade esta aí. Ônibus ?sete pau?, cara. A gente odeia político, padre, bicha!" Era assim que João Gordo, vocalista do Ratos de Porão versão anos 1980, se dirigia aos punks da periferia paulistana. Embalados pela revolução de Sex Pistols e Ramones, Gordo e mais três colegas de "vício" resolveram amplificar seus gritos de inconformismo pela música. A trajetória torta e os perrengues que levaram o gordinho João Francisco para os becos e buracos do Brasil e da Europa - muito antes de se revelar apresentador na MTV - é o que Guidable - A Verdadeira História do Ratos de Porão guarda em duas horas de projeção. Sua estreia será dia 4 de maio, no Cine Olido de São Paulo, para jornalistas e convidados. Produzido por Gordo, o documentário de duas horas foi pilotado pelo diretor de videoclipes Fernando Rick e pelo vendedor de piercing e fotógrafo Marcelo Appezzato. Foram dois anos de capturação de imagem, pesquisa, viagens, decupagem e edição. "O Gordo bancou, mas não gastou mais de R$ 5 mil. Tudo foi feito na brodagem, com material emprestado", fala Rick. Imagens foram recolhidas do arquivo pessoal de cada integrante que passou pelo grupo desde a sua formação em 1981. "O que mais me chamou a atenção foi o amor pelo rock que a banda sempre teve", aponta Appezzato. "Codirigindo o documentário, eu virei ainda mais fã", lembra ele. Dormir em casas abandonadas, viajar de trem pela Europa com o equipamento nas costas e dividir uma coca-cola e um punhado de pão com salame era o cotidiano dos Ratos. Dentro dessa tosca realidade, risadas, drogas e cenários paralelos traçaram cada pedaço do roteiro. Há música, drama, comédia e o carimbo de "traidores de movimento", que sempre os perseguiu. "O documentário dos Titãs vai parecer Branca de Neve se comparado ao nosso. Assisti ao primeiro corte de duas horas e meia com o Jão (guitarrista) e disse para ele: ?Como a gente era filha da p...?, diz Gordo, por telefone. "Tinha um certo tipo de crueldade, um preconceito que rolava na total inocência e ignorância." Mais um filhote do festival O Começo do Fim do Mundo (1982), o Ratos teve início hardcore e flertou com o heavy metal já em 1986. Iggor Cavalera e Andreas Kisser (ex-baterista e atual guitarrista do Sepultura, respectivamente) retratam no documentário a aparição de João Gordo em Belo Horizonte entre os riffs e as batidas pesadas do thrash metal. "Sempre houve uma troca. O Sepultura influenciou o Ratos e vice-versa", fala Iggor. O guitarrista Jão, fundador do grupo, explica no filme como foi recebido pelas duas alas incongruentes: "Na minha inocência, acreditava que estava contribuindo para a conscientização da minha geração e para que todos andassem unidos, fortes, em prol de um bem comum para nós e para a sociedade. Eu era um idiota, só ganhei xingo e cuspida." Drogas em excesso fizeram parte do momento de virada. A primeira ida do grupo à Europa no fim dos anos 80 e a descoberta de um cenário abrangente por lá, revoltariam ainda mais seus integrantes. A participação nos programas de Angélica e Gugu com o álbum Brasil (1989) foram a pá de cal na relação entre a banda e o "sistema". "Teríamos imagens para 80 horas. Vamos lançar um DVD duplo com mais de 5 horas de cenas extras", comenta Rick. O "produtor" João Gordo garante: "Vai ser muito mais fácil lançar este DVD na Europa, onde nos respeitam." E reclama: "Aqui, só quando a banda acabar ou alguém morrer seremos lembrados." O Ratos está mais vivo do que nunca nos palcos. Este ano tem show em festivais na República Checa e Alemanha. Insatisfeitos com o presente e clamando uma dissociação com a geração anterior, o Ratos fomentou uma cena que não poderia seguir sem os gritos de Gordo e cia. Redson, do Cólera, define: "Se eles não tivessem existidos, não teríamos essa vertente hardcore no punk nacional. O Ratos fez a diferença."

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