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Rainha, diva, deusa... a chuva não quis saber

Com guarda-chuva, era seguida por rodos que secavam o palco. Ficou estranho

Por Lauro Lisboa Garcia
Atualização:

Rainha, deusa, diva, dona do pop. O estoque de títulos de nobreza foi amplamente ativado pela mídia "superlativista" nas semanas que antecederam a tão aguardada volta de Madonna ao Brasil. Só que, embora tenha até nome sagrado, ela não tem ainda o poder de parar a chuva. Bem que a cantora tentou, mas não conseguiu. Durante todo o show de ontem no Maracanã (o primeiro da etapa brasileira, que encerra a turnê Sticky & Sweet), em que se apresentou para 70 mil pessoas (segundo a produção), caiu um aguaceiro que, além de derrubar os ânimos, também fez Madonna escorregar no palco duas vezes. Mais para o fim, a chuva acalmou, mas não parou. Ela já tinha reclamado do clima na passagem de som à tarde (leia na página ao lado) e a certa altura era difícil saber o que tinha ficado mais chato, a chuva que caía ou ela insistindo em improvisar para que a dita cuja parasse. Com citação de Here Comes the Rain Again, do Eurythmics, a inclusão de Rain no roteiro foi apenas mais uma ironia. A estrela cantou outras canções na passarela que avança do palco para a platéia VIP protegida por um guarda-chuva segurado por um componente da equipe, enquanto outros passavam o rodo atrás dela para puxar a água. Para quem exige perfeccionismo em tudo, ficou estranho. Outro detalhe que prejudicou o perfeccionismo: o microfone dela falhou algumas vezes. Em alguns momentos a cantora perguntava à platéia se estava tudo bem em relação à chuva, se devia continuar com o show. E improvisou versos que ganharam a adesão de poucos, apesar de sua insistência em ser acompanhada pelo público: "Rain, rain, go away" (chuva, chuva, vá embora), cantarolou. E depois prosseguiu: "Fuck the rain, it has to go", seguido de um "oooô" característico de torcida. Na área VIP, na frente do palco, houve gente reclamando dos guarda-chuvas, que, assim como as câmeras fotográficas, estavam oficialmente vetados para se levar ao estádio, mas passaram. É claro que a intempérie incomodou a todos, mas o show teve de prosseguir. E foram quase duas horas (1h58 para ser mais preciso) de um bombardeio visual de altíssima definição e excelente qualidade técnica de som, com representações de ordem política, religiosa, ecológica e da cultura pop de massa. Os efeitos são tão vistosos quanto fugazes. O sexo que já foi objeto de escândalo agora é só mais um jogo de cena. E disso Madonna entende como nenhuma outra megastar pop. Ok, ela é um fenômeno não só de marketing, mas comportamental, fez muito gay enrustido sair do armário, escancarando uma janela da dimensão do planeta, contribuiu para o mundo ser um pouco menos travado, liberando a satisfação da libido. Mas na hora que o show se realiza, quem está na platéia já assimilou isso tudo e quer mais é dançar em vez de ficar atendendo a chamados para ir para a luz, ou para se conscientizar em relação aos estragos que se fazem ao planeta. Afinal, nestes tempos em que "mega" é o prefixo da moda e o que vale pra se referir a ela é superlativo, vamos lá: sua discografia é uma bíblia das pistas de dança. Qualquer DJ tem uma Madonna na manga pra tirar quando a festa começa a ficar caída. Não há quem resista. Tanto é que no fim do show, depois que surgiu na tela a frase "game over", o DJ mandou ver com Holiday, que caiu como bem-vindo bônus. Portanto, o que o público mais esperava no Maracanã era a tal rave gigante que encerraria o show em grande estilo, com Like a Prayer, Ray of Light, Hung Up e Give it 2 Me. Antes já tinham vindo outros clássicos das pistas, Vogue, Into the Groove, Borderline, Music, La Isla Bonita, Like a Prayer. Mas, ao contrário do que se esperava pela repercussão dos shows no exterior, nem todos os hits dançantes que Madonna encadeia no roteiro têm resultados empolgantes. O melhor de todos foi Into the Groove, em versão remix e com projeções de desenhos ultracoloridos, quando o show ainda engrenava, caminhando para cima. Mas as canções do novo álbum, Hard Candy, que se seguem, são fracas e não há efeito visual que compense o marasmo. Até porque em vários momentos a voz de Madonna, que nunca foi tanta, dá sinais de desgaste. Ela pode ser uma maratonista, esbanjando saúde e agilidade cênica - como na vigorosa coreografia de Vogue, com seus 12 bailarinos -, mas a idade de alguma forma pesa. Quando improvisa no fim, deixando alguém do público escolher uma canção que não está no roteiro, o desastre é iminente. Ela só com o microfone, improvisando, sem acompanhamento da banda, só com coro do público, é meio caído. A canção eleita desta vez foi Express Yourself. Um certo Fábio, que ela tinha apontado na platéia para escolher a música, queria Everybody. Ela não gostou e deu outra chance à platéia. Estes são alguns dos raros momentos em que o show não segue à risca tudo o que foi milimetricamente planejado, como de resto foi a construção da carreira de Madonna. Não significa, porém, que o esmero da produção resulte em um show impecável. A inclusão de Die Another Day, tida como uma das piores faixas gravadas por ela até pelos fãs mais dedicados, já é uma escorregada. O "momento étnico", na parte em que atuam ciganos romenos, também se prolonga demais. Curiosamente, porém, ela brinda o público com o melhor momento de música no fim do bloco com eles, quando canta You Must Love me, sentada, acompanhada apenas de violões e guitarras. Simples e bonito. Quem sabe, como disse um produtor teatral presente, isso não é um indício de seu futuro? Da outra vez em que passou por aqui, com o Girlie Show em 1993, Madonna vestiu a camisa do time do Flamengo para ganhar a simpatia dos cariocas. Em São Paulo vestiu a camiseta da seleção brasileira de futebol e até improvisou cantarolando Garota de Ipanema. Ontem, limitou-se a dizer "obrigado? e que estava feliz de voltar 14 anos depois (na verdade são 15). No mais, ignorou solenemente duas bandeiras do Brasil que foram atiradas no palco e recolhidas por dois bailarinos. A entrada da área VIP era um show à parte, com o público que estava na parte de trás do gramado fotografando e mexendo com as celebridades que desfilavam. Até Fernanda Montenegro apareceu. Outros famosos globais que passaram por ali foram Claudia Abreu, Renata Sorrah, Cláudia Jimenez, Rodrigo Santoro, Bruno Gagliasso, Miguel Falabella, Luciano Huck. Todos sorriam, davam adeusinhos e posavam simpáticos para fotos. A exceção foi Luana Piovani, que a galera não perdoou, gritando "porrada, porrada".

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