Quem tem medo de Karl Marx?

Um tsunami de livros sobre o filósofo invade as livrarias e traz novas interpretações de sua obra, tida pelo inglês Francis Wheen como o marco zero da mundialização

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Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Um tsunami Marx acaba de invadir as prateleiras das livrarias de todo o País. Nada menos que duas biografias do pensador alemão, uma escrita pelo inglês Francis Wheen e outra pelo francês Jacques Attali, um livro de ensaios (Incontornável Marx, 405 págs., R$ 40 ) e o sexto volume da coleção História do Marxismo no Brasil (Unicamp, R$ 60) chegam simultaneamente ao mercado, dando o que pensar sobre as razões de tantos lançamentos numa época em que Marx parece tão deslocado como personagem de Bergman em filme de Fellini. Será? Entrevistado pelo Estado, Francis Wheen concorda com Jacques Attali que o pensamento de Marx é extremamente atual. Attali, na biografia Karl Marx ou O Espírito do Mundo (Editora Record, 450 págs., R$ 60), chega mesmo a defini-lo como o primeiro teórico da mundialização. Wheen, por sua vez, classifica-o como "pioneiro" em seu livro (O Capital de Marx, Jorge Zahar Editor, 136 págs. R$ 29), por tratar, com 150 anos de antecedência, do fetichismo das mercadorias que hoje tanto perturba o mundo, dominado pela hegemonia do mercado. Marx, diz Attali, profetizou que o mercado pode ser mais poderoso que a democracia. Sua teoria sobre a mundialização do capitalismo faz, hoje, mais sentido que na própria época em que foi concebida, conclui o francês. Por isso, justifica, é preciso voltar a estudar o filósofo sem preconceitos, tentando não confundir Marx com marxismo. Attali, que foi conselheiro de Miterrand e criador de um banco (Banque européenne pour la reconstruction et le développement), afirma categoricamente que Marx defendia um socialismo mundial e que ele viria depois do capitalismo, e não em substituição a ele. Wheen explica o ?revival? Marx lembrando que a época atual, dominada pelo mercado, conserva muitas semelhanças com a primeira Revolução Industrial. Há, segundo Wheen, muita alienação no mundo contemporâneo. Os trabalhadores não mais se envolvem com o que produzem e são descartados pelas rápidas mudanças tecnológicas e pelo avanço da economia virtual. O livro de Francis Wheen integra uma coleção inglesa de dez volumes, Livros Que Mudaram o Mundo, dos quais dois já foram publicados no Brasil: A Origem das Espécies, biografia de Darwin assinada por Jeanette Broun, e Direitos Humanos, a vida de Thomas Paine vista por Christopher Hitchens. Até setembro do próximo ano estão prometidos os seguintes títulos: uma interpretação da Bíblia por Karen Armstrong, uma introdução ao Alcorão por Bruce Lawrence, uma apresentação dos clássicos Ilíada e Odisséia de Homero por Alberto Manguel, O Príncipe de Maquiavel por Philip Bobbitt, A República de Platão por Simon Blackburn, A Riqueza das Nações de Adam Smith por P.J. O?Rourke e Sobre a Guerra de Clausewitz por Hew Strachan. Todos esses livros tentam responder a uma pergunta inquietante: podem as idéias mudar o mundo? Marx achava que os filósofos podiam até interpretá-lo, mas mudar o estado das coisas é uma outra história. De qualquer modo, ele chegou a ser apontado como o filósofo mais influente de todos os tempos, segundo uma pesquisa da BBC. Seu legado é discutido nos 15 ensaios reunidos pelo historiador e cientista social Jorge Nóvoa em Incontornável Marx, que agrupa ensaístas de tendências diversas, do cientista social brasileiro Michael Löwy, radicado na França, ao professor de sociologia francês Jean-Marie Bröhm. O livro discute desde as teorias econômicas de Marx até sua dívida com Hegel para a compreensão da relação arte e sociedade, passando por uma discussão sobre o seu pretenso desprezo pela natureza, obcecado que era pela produção.

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