PUBLICIDADE

Queime depois de ler

Por Matthew Shirts
Atualização:

Se você ainda não assistiu ao filme Queime Depois de Ler, está aí um belo programa para o fim do ano. Nada contarei a respeito. Fique tranqüilo. Sou da opinião, cada vez mais definida, aliás, de que quanto menos se souber dos filmes antes de vê-los, melhor. Saio do cinema para comprar pipoca na hora dos trailers, inclusive, e só leio as críticas depois. É uma mania de quem já vai avançando pela (meia) idade, sei, mas fazer o quê? Queime Depois de Ler é dos irmãos Coen, está em cartaz e traz a crítica mais ácida à cultura americana recente que conheço. E nada mais direi. Juro. A não ser que se trata de uma comédia. É uma proeza, esta, a de combinar crítica cultural com boas risadas. Fui sozinho, após uma expedição de uma hora e meia pelo trânsito de São Paulo na semana passada. Busquei refúgio no escurinho do cinema logo depois de ter passado de carro por dois - ninguém merece - shopping centers na época do Natal. Saí do filme já tarde da noite, mais calmo, e levemente embevecido pelo intelectualismo da obra. Que delícia de filme, pensava eu no metrô, rumo à estação Sumaré. Retrata a idiotia da cultura americana das últimas décadas. E provoca momentos de desespero, em quem espera soluções dos Estados Unidos para a crise econômica mundial. Vai ser difícil, avaliava eu no vagão de metrô, até lembrar que haverá, em menos de um mês, uma troca de presidentes. A esperança provocada no mundo pela eleição de Barack Obama cedeu nas últimas semanas à preocupação com o tamanho do estrago que ele herdará da administração Bush. Convenhamos, os republicanos capricharam. Não contentes em destruir a economia, montar pelo menos uma guerra sem sentido e reinventar a tortura, se empenham, agora, nos últimos dias no poder, em destruir o meio ambiente dos EUA. Escreve Graydon Carter na carta do editor da revista Vanity Fair deste mês: "Bush e Cheney vêm trabalhando com fervor para inventar até 130 novas regulamentações com a finalidade de enfraquecer leis federais que protegem o meio ambiente, nossas liberdades civis e a segurança pessoal (...) É o equivalente ambiental a enfiar os talheres de prata e os pratos de porcelana na mala antes de sair de uma casa emprestada." Arrumar tamanha bagunça não será fácil. Mas encontrei um ponto de apoio para minha esperança no Obama em um artigo do site The Daily Beast. A autora, Ruth E. Van Reken, chama a atenção para uma novidade. Boa parte do seu gabinete é composta por americanos que passaram um pedaço da infância em outros países. O próprio presidente eleito foi criança na Indonésia, como se sabe. A conselheira Valerie Jarrett foi criada em Teerã e Londres. O ministro da economia, Tim Geither, cresceu na África, na Índia, Tailândia, China e Japão; o ministro do comércio Bill Richardson, na Cidade do México; o conselheiro para Segurança Nacional James L. Jones, em Paris. Esta não é uma mera coincidência, segundo a autora, que estuda crianças educadas fora do seu país de origem. Eles tendem a andar juntos, pelo que entendi, e têm em comum, ainda, "uma perspectiva global e flexibilidade intelectual e social". São criativos, buscam soluções originais com rapidez e reconciliam diferentes pontos de vista com facilidade. Com Obama, chega ao poder nos EUA uma nova geração, global, que entenderá melhor o alcance mundial da crise e como resolvê-la. Tim Gaither, o ministro da economia, por exemplo, não é economista de formação. Mas sua capacidade para encontrar soluções criativas é tão respeitada pelo mercado financeiro que a Bolsa de Valores de Nova York subiu 500 pontos ao saber da sua nomeação. Se você pergunta o que isso tem a ver com Queime Depois de Ler dos irmãos Coen, a resposta é: muito. Mas não vou contar. Se quiser ler, o artigo está em www.thedailybeast.com/author/ruth-e-van-reken. Veja o filme. Boas festas!

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.