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Quarteto Alban Berg sai de cena em grande estilo

Densidade interpretativa do grupo ficará para sempre na lembrança

Por Lauro Machado Coelho
Atualização:

A firmeza do ataque do tema em ritmo de marcha, com que se inicia o Quarteto em sol maior op. 77 nº 1, de Haydn, abre-nos as portas para o universo sonoro privilegiado do Quarteto Alban Berg. O conjunto está se retirando das plataformas de concerto e, na quarta-feira, fez seu primeiro recital de despedida ao público brasileiro, no Cultura Artística. A vivacidade rítmica do Allegro, a detida elegância do Adagio levaram-no ao momento mais surpreendente dessa obra-prima: o Menuetto que, na realidade, pela sua energia concentrada, já é um scherzo pré-beethoveniano, e aponta ousadamente para os desdobramentos futuros da forma que o próprio Haydn estabeleceu e consolidou. E o entusiasmo com que o Alban Berg executou esse movimento de grande originalidade foi coroado pelo virtuosismo do Finale, que cruza o refinamento das formas eruditas com a extrovertida desenvoltura dos ritmos folclóricos do Leste Europeu. A homenagem ao compositor que emprestou seu nome ao conjunto era necessária e significativa, pois o Quarteto op. 3, de 1910, é de importância seminal, na medida em que assinala a ruptura - dentro desse gênero nobre da música de câmara - com os modos de estruturação formal e desenvolvimento melódico da tradição, fazendo-nos ingressar num mundo novo de experiência auditiva. O mérito do Alban Berg, ao abordar obra tão complexa, foi oferecer dele uma leitura extremamente límpida que deixa clara a maneira como Berg - por exemplo através do ritmo de dança exposto pelo violoncelo no Langsam (lento); ou nas diversas variações do refrão no M?ssig viertel (bastante moderado) - reinterpreta e dá significado novo à escrita camerística. A execução do grandioso Quarteto n.º 15 em lá menor op. 132, de Beethoven, com que o Alban Berg encerrou a sua apresentação, foi de irrepreensível polimento. No centro dessa peça está entronizado um dos mais espetaculares Adágios de Beethoven, escrito como uma ação de graças a Deus pela sua convalescença. Foi de grande intensidade a abordagem da seção Andante central, exultante celebração da alegria de voltar a sentir-se vivo, emocionante na última reprise, marcada mit innigster Empfindung (com o mais íntimo sentimento); bem como o tratamento dado ao canto de êxtase com que o movimento termina, antes do mágico pianíssimo final. Esse monumental Adagio é enquadrado por movimentos tratados com um senso de crescente grandeza, sobretudo, na metade final, o Alla Marcia assai vivace de grande expressividade, que introduz o rondó final. Esse Allegro Appassionato teve, nas mãos do Alban Berg, momentos daquela grande densidade interpretativa de que nós, que tivemos o privilégio de ouvi-los, guardaremos para sempre a lembrança.

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