PUBLICIDADE

Quantas peças! Mas isso é bom?

Acredite: as opções do público podem ter sido reduzidas com o aumento da diversidade de espetáculos

Por Beth Néspoli
Atualização:

Como ocorre em qualquer profissão, o treino diário aperfeiçoa. Certamente, não é diferente com a arte de interpretar. "Se ficamos afastados muitos dias, o ideal seria chegar ao teatro mais cedo para reensaiar a peça antes da primeira sessão semanal", diz a atriz Cleyde Yáconis. Mas aí o ator esbarra, na maior parte dos teatros, em outro problema: a lotação das casas, que afeta a concentração dos atores e a qualidade técnica dos espetáculos. "Os teatros abrigam cinco ou seis peças de uma vez só, as coxias ficam entulhadas de cenografia, e a criação muito limitada, uma vez que tudo tem de ser feito para um monta-e-desmonta relâmpago", comentou o cenógrafo José Dias em palestra, no domingo, em São Paulo. Sem contar que os ensaios se dão em salas muitas vezes de dimensões e geografia bem diferentes dos palcos. "Temos cada vez menos tempo no palco para fazer as adaptações de movimentação, luz, som, cenografia. Do ponto de vista artístico, isso é desgastante, é ruim, mas não vejo como reverter esse quadro, pelo contrário, a tendência é a rotatividade aumentar", diz o diretor Alexandre Reinecke. "A diversidade da cena teatral paulistana é sinal de uma riqueza fantástica, sintoma de força cultural, é a sociedade se agitando, se expressando, e em diferentes camadas sociais", afirma Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo. "Do ponto de vista artístico, essa descontinuidade pode influir sim na qualidade técnica e de interpretação, mas não vejo muita saída, porque a demanda por espaços é muito maior do que a oferta." Ele lembra que a entidade já abrigou temporadas longas. "Fomos nos ajustando à realidade. O Sesc buscou atender a um fluxo, uma tendência que vem da cena. Podemos até repensar, fazer adaptações se essa for uma demanda", argumenta. Embora muito mais jovem do que Cleyde Yáconis, a atriz Denise Fraga lembra que começou sua carreira fazendo oito sessões semanais. "Acho que o mundo ficou mais múltiplo, há pluralidade em tudo, a gente vai-se adaptando. Tenho um desespero com a sessão de sexta. Acordo nervosa porque sei que terei apresentação à noite e estamos frios. Chego com 3 horas e meia de antecedência no teatro para aquecer", conta. "Lidamos com uma arte que é fluida, etérea. Gosto do exemplo do nadador: ele pode aperfeiçoar tempos, estilos, mas não pode reter a água. Nosso trabalho também é assim. Às vezes, justamente por conta desse medo, a sessão de sexta sai ótima, mas é preciso um investimento de energia", comenta Denise. Com exceção das sedes de alguns grupos, como o Oficina ou Folias, desmontar e montar cenários para dar espaço a peças ou eventos - festas, formaturas, convenções - é prática cada vez mais comum. Em muitos deles, a possibilidade de chegar três horas antes do início da peça está eliminada. "O ator que tem esse tipo de exigência não vai atuar no nosso teatro", garante Isser Korik, diretor artístico do Folha. Ele está entre os que defendem quantidade - seis ou sete peças estão sempre em cartaz. "Eles têm equipe técnica ágil e eficiente, é preciso que se diga", afirma Reinecke. Korik chama de "opção ideológica" a forma como programa seu palco. "Sou ator, teatro não é negócio, mas lugar para trabalhar. E quero ampliá-lo para muitos outros artistas. Temos espaço sob o palco para cenografia, não temos coxias atulhadas", diz. Em favor da intensa programação, Korik argumenta ainda que se trata de um teatro de bairro (Higienópolis), o que faz do espectador um freqüentador da casa. "Se eu tenho uma ou duas peças em longa temporada, ele vai aparecer duas ou três vezes no ano." Ele acredita ainda que, se colocar uma peça de quinta a sábado, o espectador vai preferir ir no sábado. "Já se a peça só estiver na quarta ele tem de ver nesse dia", argumenta. É uma questão polêmica. "Eu acho que existe um público em potencial nas quartas e quintas para as peças que só estão sexta, sábado e domingo", acredita Denise Fraga. "Trabalha-se muito nessa cidade e as pessoas têm vontade de ir ao teatro depois do expediente. Só que, muitas vezes, a peça que se gostaria de ver não está em cartaz naquele dia", afirma. "Há várias questões imbricadas e acho importante fazer um histórico disso, ver onde começa", diz Tolentino. "A televisão começou por exigir a terça e a quarta dos atores para gravar novela e, assim, as temporadas foram encurtando. Os donos dos teatros não poderiam ficar com as casas ociosas e começaram a criar horários alternativos." O diretor do teatro de Higienópolis concorda com esse histórico. "Com o tempo, as gravações começaram a tomar até as sextas. Aí o administrador do teatro tem de escolher: o ator famoso traz bilheteria, mas só pode fazer duas apresentações", afirma Korik. Vale lembrar que em Buenos Aires chega a 200 o número de peças numa semana. E a mesma pulverização ocorre com o chamado teatro independente. Mas existe a cena oficial - pelo menos três grandes companhias com elenco fixo recebendo salários com muitas horas de dedicação ao palco. Cria-se aí um padrão de qualidade que forma público e atores. "Uma coisa é a rotatividade na Praça Roosevelt que tem características de cena alternativa. Outra coisa é o teatro da Broadway com suas várias sessões semanais. Pode-se gostar mais de um ou de outro. Importa é que são modelos diferentes", diz Tolentino. Talvez esse seja um aspecto importante: sob a diversidade da oferta, uma padronização aparece - a pulverização generalizada. Uma prática de alto risco, caso a descontinuidade signifique mesmo queda de qualidade. NÚMEROS 132 peças em cartaz nesta semana: 46 fazem apenas uma apresentação semanal, 40 espetáculos fazem duas sessões por semana, 38 ficam em cartaz três dias durante cada semana, 5 peças fazem quatro apresentações semanais, 2 espetáculos fazem cinco apresentações semanais 1, apenas um, tem oito apresentações semanais. As peças Atuais com mais sessões 4 APRESENTAÇÕES SEMANAIS Caminhos Viga Espaço Cênico - 74 lug. - 5.ª e 6.ª, 21h30; sáb., 21 h; dom., 19 h. Doce Deleite Teatro Raul Cortez - 540 lug. - 5.ª a sáb., 21h30; dom., 18 h. R$ 80/R$ 90. O Mistério de Irma Vap Teatro Shopping Frei Caneca - 600 lug. - 5.ª e 6.ª, 21h30; sáb., 21 h; dom., 19 h. R$ 60/ R$ 70. Até 7/12. A Tempestade Teatro Popular do Sesi - 466 lugares. - 4.ª, 5.ª e sáb., 20 h; dom., 19 h. O Caderno da Morte Sesi Vila Leopoldina - 80 lug. - 5.ª a sáb., 20 h; dom., 18 h. 5 APRESENTAÇÕES SEMANAIS Miss Saigon Teatro Abril - 1.533 lug. - 5.ª e 6.ª, 21 h; sáb., 17 e 21 h; dom., 18 h. Sacrifício Centro Cultural Fiesp. Mezanino - 50 lug. - 4.ª a sáb., 20h30; dom., 19h30. 8 APRESENTAÇÕES SEMANAIS Fuerzabruta Parque Villa-Lobos - 1.100 lug. - 3.ª a 6.ª, 21 h. Sáb., 18 h e 21 h; dom., 17 e 20 h.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.