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Programa duplo leva a refletir sobre criação contemporânea

Regra de Dois e Sexo, Amor e Outros Acidentes são interpretados por seus autores

Por Crítica Helena Katz
Atualização:

O programa é duplo e fica em cartaz até 10 de agosto, aos sábados e domingos, às 18h30, no Sesc Avenida Paulista. São três intérpretes, que também assinam a criação de suas danças: Thembi Rosa e Renata Ferreira, em Regra de Dois, e Morena Nascimento, em Sexo, Amor e Outros Acidentes. São duas obras muito distintas que oferecem materiais para uma conversa sobre pensamentos contemporâneos em dança. Regra de Dois estreou em 2006, e Thembi e Renata só a retomaram agora, para esta temporada. Sexo, Amor e Outros Acidentes nasceu em 2004 e, no ano seguinte foi premiado com o APCA de melhor criação e interpretação. É louvável que a programação de dança dessa unidade do Sesc se poste na contramão dos danos que a exigência de somente estréias vem produzindo. Os 45 minutos de Regra de Dois vão distribuindo modos musicais de ocupar o espaço. Os tempos e as métricas de cada segmento montam uma partitura com as relações dos dois corpos em contrapontos, clusters, fermatas, codas. Muito possivelmente, essa característica vem do convívio de Thembi Rosa com o duo instrumental O Grivo, responsável pelas trilhas de suas produções desde 2000. O tipo de relacionamento entre Thembi e Renata questiona o uso da terminologia habitual de duo, embora seja uma produção com duas bailarinas. Remete mais a um solo que, em algumas das suas situações, necessita de dois corpos para poder cumprir as instruções que o compõem. Em alguns momentos, cada um dos corpos pode resolver sozinho como se mover com quatro, três, dois ou um apoio. Mais adiante, ao fazer do outro o seu apoio, instala uma parceria indispensável, que se dissolve novamente em outras situações, como a das espirais, ou a do momento de realizar algum movimento no tempo que certos objetos levam para cair. Depois, se reinstala de novo, quando os dois corpos se tornam um a restrição do outro, como no momento dos abraços produzidos pelo inspirar/expirar. A alternância entre independência e co-dependência vai costurando Regra de Dois e se torna uma das suas questões. A necessidade de responder a cada uma das muitas instruções a que se propuseram fez nascer movimentações ricas, desenhos de movimento que vão tonalizando o espaço com uma espécie de precisão contundente, daquele tipo que só nasce quando a investigação não cede em rigor. O gesto surge sempre como necessário e dura só o tempo igualmente necessário. Tudo muito seco e muito ajustado aos propósitos de testar aquilo do que a dança é feita: peso, fluxo, dinâmica, tempo, espaço. As diferentes qualidades da movimentação das duas intérpretes-criadoras também colabora para a musicalização dessa partitura de espaço que vai nascendo ao longo do espetáculo. Duas vozes/corpos executando as mesmas tarefas e pontuando, com as suas peculiaridades, as distintas soluções que vão surgindo. Regra de Dois é um desses trabalhos capazes de serem dados como exemplo de pesquisa em dança contemporânea - assunto hoje muito discutido na área. Morena Nascimento pertence a outra filiação estética, na qual os interesses se centram mais em assuntos e personagens. Não à toa, trabalha hoje na companhia de Pina Bausch - uma sintonia de interesses que Sexo, Amor e Outros Acidentes já anunciava. Trata-se de uma intérprete realmente rara. Aquilo que se nomeia de ''presença cênica'' tem nela uma força e uma amplitude que, mesmo na juventude dos seus 28 anos, a inscrevem no seletíssimo grupo daqueles que antigamente eram chamados de ''estrelas''. Essa sua espantosa facilidade em lidar com os materiais que escolhe acaba sendo também a sua principal fragilidade, quando lhe faz ficar no tratamento superficial das imagens que apresenta. Os temas são complexos, mas a interpretação e a dramaturgia estão ainda em patamares distintos. A continuidade da sua produção, se acompanhada por algum olhar externo, deverá transformar esse atual desequilíbrio em uma circunstância transitória.

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