Presença autoral na 2.ª fase do Projeto Vitrine

Todas as quatro montagens que integram a nova etapa desse programa de formação de público partiram de peças escritas fora das salas de ensaio

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Por Beth Néspoli
Atualização:

Há um aspecto comum aos quatro espetáculos que estreiam nesta semana na segunda fase do Projeto Vitrine do Centro Cultural Silvio Santos: todos foram realizados a partir de peças teatrais autônomas, escritas por autores que não acompanharam o processo de criação em sala de ensaio. É dramaturgia que pode ser definida como contemporânea tanto por carregarem a assinatura de autores de nossa época quanto pela temática, porém sua origem não é o chamado processo colaborativo, no qual o texto é elaborado a partir do improviso dos atores sobre um tema. "São espetáculos muito diferentes, mas todos criados a partir de textos fechados. Isso é interessante num projeto que busca novas abordagens estéticas", diz Marcio Aurelio, diretor de Agreste que, com os mesmos dois atores deste bem-sucedido espetáculo, Joca Andreazza e Paulo Marcello, dirige Anatomia Frozen do britânico Bryony Lavery, que estreia na quinta no Projeto Vitrine. Voltado para a formação de público, trata-se de um programa importante e raro num espaço privado, pois promove a ocupação das salas do Teatro Imprensa - a pequena Vitrine, de 48 lugares, e a sala principal, com 452 poltronas - com montagens selecionadas por uma curadoria. Por iniciativa de Cintia Abravanel, diretora-presidente do Centro Cultural Silvio Santos, o projeto, patrocinado por meio de Lei Rouanet, pensa a formação no sentido do aprimoramento da sensibilidade para a fruição de uma linguagem que escape do naturalismo televisivo. Para atingir o público-alvo, os ingressos têm preços populares. Quatro montagens já cumpriram temporada - Comunicação a Uma Academia, Eldorado, Cachorro Morto e Bartleby. Hoje tem início a nova fase com as pré-estreias, para convidados, de Quase Nada, texto do baiano Marcos Barbosa, na sala Vitrine, e Amanhã É Natal, de Mário Viana, na sala maior. Além do já citado Anatomia Frozen, estreia no sábado também na sala menor Music-Hall, texto do francês Jean-Luc Lagarce, entre todos o autor de mais amplo reconhecimento, cuja obra já é objeto de estudo de diferentes ensaístas em muitos países. Quase Nada é o único entre os quatro já testado. Dirigido por Alain Brum, estreou há três anos no Teatro Augusta, estendeu temporada ao Cacilda Becker, onde público e atores dividiam o palco, numa busca de intimismo que a Sala Vitrine proporciona. "E com muito mais recursos", comemora Brum. A ação se desenrola numa sala de estar na relação entre um casal (Rubia Reame e Luiz Luccas) que matou um pivete num assalto, na saída de uma festa. Alain optou por uma cena coreografada, que provoca o distanciamento necessário para a reflexão, sem quebrar a irremediável identificação do espectador urbano com os personagens e sua forma de agir. O resultado é um espetáculo curto, intenso, quase um thriller, que envolve ainda um matador profissional (Henrique Zanoni) e a mãe do menino morto (Gisele Freire). Quase Nada tem encenação provocadora e temática incômoda, bem ao estilo desse ousado projeto Vitrine. Personagens de classe média também estarão sob os refletores esta noite em Amanhã É Natal, dirigida por Jairo Mattos, peça na qual, como em Quase Nada, o público e o privado se confundem e se atritam na ação das pessoas. "Esse texto escrevi na mesma época de Vestir o Pai e também trata do desamor dentro de relações estabelecidas", diz Mário Viana. Álvaro Gomes, Cinthia Zaccariotto e Nádia de Lion estão no elenco desse espetáculo em que a temática salta para além da trama. Importa detectar na ação desse trio - mulher, pai e filha - a hipocrisia da classe média, que faz ?discurso? sobre valores, mas os frauda cotidianamente, dos pequenos aos grandes gestos. A atriz, e agora também produtora, Rachel Ripani foi a responsável por descobrir o texto de Anatomia Frozen, que ela própria traduziu. "É sempre muito difícil compreender a ação hedionda, o que se passa pela cabeça de alguém que mata em série, provoca sofrimento, e não sente culpa", diz Rachel. Disso trata essa peça estruturada quase que basicamente sobre os depoimentos de três personagens: um serial killer, uma mãe cuja filha ele matou há 21 anos, e uma psicanalista. No palco, três bancos e um revezamento de atores. "Interessa para a linguagem sobre a qual queremos trabalhar essa dramaturgia baseada em análise de situação e não em personagens psicologizados e ação dramática", diz Marcio Aurelio. Assim, fala a mãe cuja vida ficou paralisada, daí o frozen do título, que ao fim decide ficar face a face com o assassino. "Algo pode mover-se a partir do encontro entre eles." Os atores da Cia. da Mentira, Donizeti Mazonas, Gabriela Flores, Gilda Nomacce, Priscila Gontijo e Sílvio Restiffe levam ao palco do Vitrine Music-Hall, dirigido por Luiz Päetow. "É um texto de grande potência poética e com estrutura para a performance, cheio de chaves para o jogo de cada leitor", observa o diretor sobre esse texto que tem a arte como tema e, como personagens, uma atriz de musicais e seus dois assistentes. "É texto que oferece liberdade e poderia ser feito na forma de solo por Marilena Ansaldi. Serviço: Quase Nada. 50 min. 14 anos. 3.ª e 4.ª, 21 h. Sala Vitrine Anatomia Frozen. 90 min. 14 anos. 5.ª e 6.ª, 21 h. Vitrine Music-Hall. 70 min. 14 anos. Sáb., 21 h e dom., 19h30. Vitrine Amanhã É Natal. 60 min. 14 anos. 4.ª e 5.ª, 21 h. Sala Imprensa Teatro Imprensa. Rua Jaceguai, 400, telefone 324-4203. Ingresso em junho - 1 lata de leite em pó. A partir de 2 de julho, R$ 10,00

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