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''Precisamos aprender a digerir nosso cotidiano''

Principal diretor da Record, Alexandre Avancini fala do seriado A Lei e o Crime

Por Patricia Villalba
Atualização:

Soa no mínimo auspicioso que justamente o filho do grande Walter Avancini, considerado o diretor de novelas mais genial de todos os tempos (Gabriela, Grande Sertão Veredas), esteja hoje comandando a escalada da Record em busca de uma teledramaturgia alternativa e consistente. Os esforços são todos. Principal diretor da casa, tirado da Globo em 2005, Alexandre Avancini acumula hoje três produções. À frente de uma equipe de sete diretores, ele supervisiona a produção dos últimos capítulos da segunda temporada de Os Mutantes, ao mesmo tempo em que prepara a terceira, que começa a ser gravada no dia 16. E, no meio disso, cuida dos 16 episódios de A Lei e o Crime, cujo quarto capítulo vai ao ar hoje, às 23 horas. Realista, ágil e violento, o seriado surpreende graças à combinação entre o texto sagaz de Marcílio Moraes e a direção certeira Avancini, que dá tratamento cinematográfico às cenas. A dupla é a mesma da novela Vidas Opostas, que chamou a atenção em 2006 ao abordar o tema favela-criminalidade de maneira original. Nesta entrevista ao Estado, feita durante uma das suas 15 horas diárias de trabalho, Avancini fala da aventura de montar um núcleo de dramaturgia, de A Lei e o Crime e da busca pela liderança. "Quando cheguei aqui no Rec9, em 2005, não tinha nada. A gente estrearia a novela em um mês e os equipamentos estavam no oceano Atlântico, chegando de navio", conta ele. Você está dirigindo três produções ao mesmo tempo. Quando foi pra Record, imaginava que iam tirar tanto o seu couro aí? O diretor, sabe, é sempre meio fominha, quer dirigir tudo. Foi uma escolha minha. A Lei e o Crime seria apenas um episódio, por isso eu ia fazer. Mas quando decidiram que seria uma série, não tive opção, tive de fazer porque o produto é muito bom. Me engajei. A gente vai fazendo, dá pra se divertir aqui. A repercussão valeu o esforço? Os números são muito bons (18 pontos na estreia), porque o primeiro capítulo foi ao ar às 23 horas. Chegamos à liderança no Rio. O público carioca gosta muito de se ver na tela. Em São Paulo, o desempenho também é muito bom. Já pensam numa nova temporada? A Lei e o Crime foi um projeto para testar esse formato de seriado, para as 23 horas. A emissora está muito animada para, de repente, fazer seriados de vários temas, um para cada dia da semana. Não conversamos efetivamente com o Marcílio sobre uma segunda temporada. Mas existe a possibilidade, sim. Já ouvi muita gente chocada com as cenas de violência, mesmo os que acham que o seriado é muito bom. Acho que o que está errado tem de ser mostrado. É o tipo de coisa que alimenta a reflexão. Já chega de esconder coisa no Brasil. Sou filho da ditadura, sei muito bem como é isso. A gente só vai começar a melhorar quando começar a mostrar as nossas mazelas. Eu mesmo já peguei vários tiroteios em favela quando estava filmando. As pessoas acham bazuca exagerado? Tem bazuca nas favelas sim! E, afinal de contas, está em horário adequado. Passa às 23h30, só vai ver quem quiser. Invejo muito a capacidade dos americanos de digerir o que acontece no país deles por meio do audiovisual. A gente não tem isso, não conseguimos digerir bem o nosso cotidiano. Se tentarmos ir fundo em algumas questões, vamos esbarrar em empecilhos ocultos. Pelo que percebo, ação virou o principal filão da Record. É isso mesmo? Na verdade, são duas coisas juntas. O que estamos fazendo é apostar em temáticas diferentes. A dramaturgia brasileira ficou muito engessada em certas fórmulas. O público evoluiu, tem mais acesso a um tipo de arte audiovisual mais requintada, de um leque temático muito maior. Por isso, estamos testando. A ação de que você falou vem nesse contexto. Mostramos a realidade de um país onde rola ação pra dedéu. É um país cheio de conflitos. Fica incomodado com a comparação entre A Lei e o Crime e Tropa de Elite ou acha justa? Não fico nenhum pouco ofendido com a comparação, porque o Tropa fez um sucesso enorme. Na época da divulgação, só tínhamos cenas de tiroteio em favela e isso chama a atenção da imprensa. Por isso, fizeram essa ligação. Outro dia entrevistei o Tiago Santiago, autor de Os Mutantes, e ele disse que o que falta para a Record ser líder é volume de produção. E o que falta, então, para a emissora produzir mais? Quando eu cheguei aqui, em 2005, eram dois estúdios bem antigos. Hoje, são oito, sendo seis supermodernos. O que falta basicamente para termos uma produção maior é local de gravação. Nossa capacidade de produção está restrita ao nosso número de estúdios. Mas, até o ano que vem, vamos aumentar a grade. Brincamos aqui que, todos os dias, aparece um prédio novo. Daí, vai ser só crescer, crescer e crescer. MORRO E TIROS - SÉRIE É MAIS DO QUE UMA"VERSÃO DO TROPA" De início, a direção Record planejava fazer de A Lei e o Crime um especial de um único capítulo. Por sorte, percebeu a tempo o potencial da história de Marcílio Moraes, e a transformou em um seriado de 16 episódios. O impacto foi excelente: o primeiro capítulo, que foi ao ar no dia 5, obteve 18 pontos no Ibope - pena que, duas semanas depois, tenha caído para 13, por causa daquele que quase ninguém confessa que vê, o BBB. Quem não viu, acredita que a série copia o longa-metragem Tropa de Elite. Quem viu sabe que a coincidência não vai além da situação morro-violência, e que é difícil esperar uma semana até o próximo capítulo. Primeira vez protagonista, Ângelo Paes Leme faz com primor a passagem do ex-paraquedista Nando para o traficante Nandinho da Bazuca. Caio Junqueira, cada vez melhor, chega a ser asqueroso como Romero. Heitor Martinez (Leandro) não para de surpreender. E não se pode deixar de perceber Aline Borges como Lacraia, em uma produção que carece de boas atrizes coadjuvantes. No tom certo, ela consegue ser sexy e rude, doce e doida.

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