Piada esgota-se logo e em seguida o filme se arrasta

Diretor abusa das citações e alusões ao cinema trash para agradar ao público

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Por Não Gostei Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Peça a um cinéfilo jovem para associar uma palavra a Michel Gondry e ele dirá originalidade, sem hesitar. E não sem razão, se lembrarmos do bom Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, que ele dirigiu, com roteiro do darling Charlie Kaufmann (de Quero Ser John Malkovich). Originalidade é ótimo, ainda mais nessa arte industrial, cansada e repetitiva em que o cinema comercial se transformou. É bom, mas pode não ser tudo. Veja trailer de Rebobine, Por Favor Assim, se alguém falar do que trata este Rebobine, por Favor, provavelmente será acolhido com entusiasmo em certos meios. E foi mais ou menos desse jeito que o novo filme de Gondry foi recebido na Mostra de Cinema de São Paulo. Muita curiosidade, ingressos esgotados, filas ansiosas, risadas cúmplices durante a projeção, mas talvez alguma decepção no final das concorridas sessões. A história, dita a seco, parece meio estapafúrdia. Dois amigos, Jack Black e Mos Def, apagam por acidente os VHS de uma videolocadora e, para substituí-los, refilmam eles mesmos sucessos como Os Caça-Fantasmas, Conduzindo Miss Daisy, O Rei Leão e King Kong. Bem, aqui vale um parêntese: se um brasileiro tivesse semelhante idéia, dificilmente levantaria um tostão sequer para realizar o roteiro. Como ela vem de um diretor badalado, é aguardado como cult. Mas assim é a vida. E não que não haja idéias generosas sustentando o aparente absurdo. A comédia, segundo Gondry, expressa uma certa utopia cinematográfica: a de que as pessoas possam fazer seus filmes de maneira artesanal, que todos possam ser cineastas de fundo de quintal, dando livre vazão à sua criatividade - esse bem que era privilégio de poucos e hoje é reivindicado por todos, de maneira democrática. O filme expressa um pouco esse estágio contemporâneo do audiovisual - nunca foi tão barato filmar e, em tese, qualquer um pode rodar um filme como antes escrevia um poema que, em geral, ia parar no fundo da gaveta. Talvez o destino da maioria das obras audiovisuais não seja tão diferente. Mas esse é um comentário marginal em relação a um filme que se pretende cômico e, ao mesmo tempo, alimenta certa ambição. Sim, porque na utopia audiovisual proposta, vai-se até ao resgate de toda uma comunidade que teria no músico Fats Waller (1904-1943) seu ídolo. Waller, um dos nomes mais inventivos do jazz, teria morado na casa onde agora é a locadora. Isso dá ao filme um caráter de história falsamente documental, como se trabalhasse com fatos e imagens reais, no resgate a um personagem que realmente existiu. Gondry é vivo e abre seu trabalho em duas vertentes. Numa, contempla a exigência pós-moderna da citação intensiva. Assim, para o público, é potencialmente atraente ver a reciclagem de títulos manjados da história do cinema sendo refilmados pela dupla, e de maneira caseira. Atende ainda a outra característica de ampla repercussão junto ao público mais jovem - o trash, a maneira tosca de filmar, que passa por qualidade em si. Aqui, toda uma tradição, que vai de Ed Wood a Roger Corman, passando pelas referências locais do "cinema malfeito"(em especial o da antiga Boca do Lixo), são o motivo de risos e curtição cinematográfica. Desse modo, Gondry coloca-se no topo da onda, por assim dizer. Sempre em tese, fala a um público que adora citações e desvios em relação à caretice da narrativa convencional. Pode encontrar aí seu nicho de mercado. O fato é que, como comédia, Rebobine, por Favor parece bem fraca. A piada, que no início soa estimulante, logo se desgasta e perde a força da novidade. A partir de então, o filme vai se arrastando, definha e esgota-se. O subtema, com o resgate à figura de Fats Waller, também não convence. Poderia haver aí um filão, mas não é bem aproveitado por Gondry. O filme anda de lado, como caranguejo, nem cá nem lá, indeciso entre duas direções a tomar. Isso trava a sua fluência. Isso não quer dizer que não se possa rir aqui ou ali, de uma ou outra situação engraçada. Mas são casos isolados, que não se sustentam no conjunto de um filme muito esticado, com problemas estruturais que o conduzem à monotonia. É possível que um pouco mais de espírito de síntese tivesse beneficiado o andamento, em proveito do espectador. O filme não é tão longo assim (102 minutos) mas francamente parece que demora horas para acabar. Gondry, como todo aquele que acha que teve uma ótima idéia, deve ter achado que não havia um único fotograma a mais. Há controvérsia. Serviço Rebobine, por Favor (Be Kind, Rewind, EUA/2008, 102 min.) - Comédia. Dir. Michel Gondry. Livre. Cotação: Bom

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