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Pesadelos culturais

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Por Redação
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Outro dia tive um sonho bom - havia acabado de escrever um livro - que logo se transformou em um pesadelo: eu era um escritor cubano, peregrinando por editoras do Estado e implorando para que publicassem o meu livro, em vão. Para uns era muito popular, para outros muito sofisticado. Para alguns companheiros era muito romântico e para outros cabeça demais. Ou muito denso ou superficial demais. Cada editora dava novos motivos para o seu não. Ninguém dizia, mas todos insinuavam que era burguês e contra-revolucionário, apenas diversão. Eu argumentava que era isto que eu queria, tudo era apenas ficção, e eles riam. O povo não precisa de entretenimento, precisa de cultura, rugia um velho escritor do Partido que ninguém lia. Ninguém leria o meu livro, eu me juntaria a Reinaldo Arenas, Guillermo Cabrera Infante e Pedro Juan Gutierrez entre os que jamais seriam publicados na ilha. Os best sellers internacionais de Gutierrez só não interessaram a editoras cubanas: para eles, os romances não eram comerciais, não venderiam. Nada de censura política ou estética, apenas uma pratica de mercado, à cubana. Acordei aliviado em Ipanema. Pero no mucho. Saí em peregrinação por gerentes de marketing de telefônicas e de estatais em busca de patrocínio para minha peça. Ou seria filme? Ou disco ? Ou livro ? O pesadelo continuava, as razões e os motivos para dizer não eram parecidos com os dos burocratas cubanos, a diferença era a divindade que uns chamavam de A Revolução e outros de A Companhia. Em comum, o desprezo pelo publico, pela população, pelos que pagam impostos. O curioso é que eles usam dinheiro publico, de renuncia fiscal, como se fosse deles, com o mesmo zelo que os políticos tem pelas verbas publicas. Será que não é possível encontrar outras formas de fomentar e financiar a produção artística, sem a ditadura da burocracia política, sindical ou empresarial ? O chato é a certeza de que pelo menos 95% da produção que se diz ou ambiciona ser artística é apenas lixo audiovisual, teatral ou literário. Talvez seja o preço para a criação dos 5% que podem ser chamados de arte.

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