Perdidos no espaço e no tempo

Cinco amigos em busca de aventura é mote de criação da Bendita Trupe

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Por Beth Néspoli
Atualização:

Há um momento em A Espiral do Tempo em que a magia teatral se faz presente numa cena que consegue fazer o espectador, por alguns segundos, acreditar no impossível, ao lançar mão da liberdade que só a arte tem para reinventar a realidade. Esse espetáculo da Bendita Trupe dirigida por Johana de Albuquerque põe em celas contíguas, detidos pela Santa Inquisição, o cientista Galileu e Marina, uma jovem urbana do nosso século 21, que faz sem querer e sem entender direito o que se passa, uma viagem no tempo. O humor dá o tom do diálogo construído sobre a confusão da ignorância, pois pois nenhum dos dois tem noção dos séculos que os separam, um achado da dramaturgia de Claudia Vasconcellos criada em processo colaborativo com os seis atores do elenco. O espectador ri da sem-cerimônia com que a garota, interpretada por Vera Villela, fala de sua luneta e de suas observações de corpos celestes. Perplexo, Galileu se dá conta de que ela possui um instrumento ainda mais potente do que aquele que ele acabara de inventar. Embora divertida, a cena faz parte de uma montagem cuja ambição vai além do simples entretenimento. Nem podia ser de outra forma, afinal se trata de uma montagem do já tradicional projeto de formação de público do Centro Cultural Fiesp, voltada para os jovens e com entrada grátis. A viagem no tempo é apenas ponto de partida. Durante um eclipse lunar cinco amigos decidem arriscam-se numa aventura perigosa: observar o fenômeno num bote surripiado às escondidas, sem a autorização de adultos. Plínio Soares vive um personagem intitulado O Relojoeiro do Cosmos, que a um só tempo joga os meninos em situação de perigo - ao virar o bote e levá-los para diferentes dimensões do tempo e espaço - e os protege, porque, ao fim, todos terão vivido experiências transformadoras. "Pesquisamos muitos rituais de passagens, de diferentes tribos. Nelas não há a figura do jovem. Passa-se de criança a adulto e sempre por meio de uma experiência forte, um enfrentamento", diz Johana. "Talvez isso faça falta nos dias hoje." Não nessa peça. O primeiro a passar por um deles é Giba, vivido por Fábio Herford. Medroso, e não por acaso, pois é monitorado pela avó ao celular, ele se vê sozinho, diante do desconhecido. E será obrigado a criar coragem para defender a vida. Essa experiência de crescimento será comum às aventuras de todos, propositalmente ?separados? pelo Relojoeiro. Fabiano Medeiros é Daniel, o menino que gosta de luta, e não por acaso vai parar em plena Guerra de Troia. "A violência que está nos jogos é atraente. Mas ali ele vai aprender a ética da batalha, a respeitar trégua, a compreender a dignidade do guerreiro que sabe da derrota, mas luta assim mesmo", diz Johana. O mesmo vale para Manu (Jackeline Obrigon), que se mete numa aventura pirata, divertida até o momento em que o capitão castiga com violência um marujo. Já a patricinha Julia (Beatriz Morelli) vai parar na corte francesa e aprende com a trupe de Molière a importância da ação coletiva. Toda essa viagem ganha tradução visual na cenografia de Daniela Thomas e nos figurinos e adereços de Marina Reis. "O efeito do cenário é muito forte, mas se observar bem são poucos elementos: uma lona, um fundo preto, uma tela. E uma tinta verde que só reage sob luz negra", diz Johana. Na sessão de estreia para convidados, na segunda, a diretora chamou ao palco uma multidão de artistas. Como aprendeu Julia na trupe de Molière, A Espiral do Tempo é fruto do trabalho de muitos. Serviço Teatro do Sesi. 80 min. 12 anos. 466 lug. Av. Paulista, 1.313, tel. 3146-7405. Sáb. e dom., 16 h. Grátis. Até 29/11

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