Para dar conta da realidade do Peru

Em A Teta Assustada, Claudia Llosa mescla realismo fantástico com documentário na tentativa de explicar sua terra e seu povo

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Claudia Llosa possui a pele e os olhos claros. Não tem o típico físico comumente associado aos índios do altiplano do Peru, mas a temática indigenista percorre seus dois longas - Madeinusa e La Teta Asustada, ambos interpretados pela atriz e cantora Magaly Solier. O segundo foi o grande vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim, em fevereiro. No sábado, A Teta Assustada venceu mais um festival, o de Gramado, recebendo o Kikito de melhor filme latino, ao qual se somou o prêmio de melhor atriz para Magaly. O curioso é que, com outro título, O Leite da Amargura, La Teta já havia integrado a programação do 4º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo, em junho. Veja o trailer de A Teta Assustada A Teta Assustada possui elementos que poderiam definir o filme como um exemplar de realismo fantástico latino-americano - Claudia é parente, mesmo distante, de Mario Vargas Llosa -, filtrado por alguma coisa da vertente alegórica da argentina Lucrecia Martel. A própria autora argentina gosta de dizer que trabalha com ?camadas de realidade?. À teta assustada do título somam-se outros signos que a diretora - muito bonita, vale dizer - cria para propor uma interpretação de seu país, o Peru. A protagonista, vivida por Magaly, é esta garota cuja mãe foi estuprada (por guerrilheiros) e que lhe transmitiu seu medo ?por la leche?. Claro que isso não tem fundamentação científica nenhuma, mas faz parte de um imaginário indígena que vai sendo transmitido oralmente. Outra ideia, mais perturbadora ainda, é o fato de que a moça carrega na vagina uma batata, que introduziu para se preservar de tentativas de estupros, só que a tal batata vai crescendo dentro dela. Tudo isso não deixa de compor um receituário exótico sobre a América Latina e esta é uma crítica que Claudia, que vive na Europa, tem recebido em seu país. Ela faria (faz?) filmes para estrangeiros. É injusto, mas em Berlim, nas duas vezes em que se encontrou com ela, o repórter já havia formulado a questão. "Esse exotismo de que me acusam faz parte da realidade do altiplano. Não vou extirpá-lo só para satisfazer a quem parece ter vergonha de nossas tradições ancestrais." Apesar de sua abertura para o fantástico, Claudia trabalha quase no registro do documentário. Numa cena particularmente interessante, o tio cava uma sepultura para enterrar o cadáver da irmã, mãe da heroína, Fausta. Está prestes a ocorrer um casamento e ele quer se livrar do cadáver, por causa da festa. A tal ?sepultura? vira uma piscina na qual as pessoas celebram a vida e a ?pileta? pode lembrar a obsessão de Lucrecia Martel pelas águas paradas, em O Pântano e La Niña Santa, seus melhores filmes. Embora lisonjeada pela associação - Claudia respeita muito o cinema de Lucrecia Martel -, ela explica que, em seu caso, a ideia foi mais simples (e, talvez, prosaica). "Quando procurava locações, encontrei uma piscina daquelas e achei que seria interessante integrá-la à narrativa. Não teria tido uma ideia dessas, talvez a achasse surreal, mas foi a própria realidade que me forneceu a imagem. Mesmo assim, como você diz, poderei ser acusada de ?exotizar? meu filme." Se há uma coisa que Claudia gosta de enfatizar é seu vínculo com o real - "Não invento nada." A Teta Assustada constrói-se nas bordas da ficção e do documentário ao olhar as comunidades indígenas que abandonam o altiplano peruano para viver (e trabalhar) na periferia de Lima. "É uma cultura em que vida e morte andam juntas, mas eu não teria conseguido expressar isso sem a força que Magaly (Solier) traz para o papel, falando e cantando em dialeto quíchua, como sabe fazer", diz a diretora. Serviço A Teta Assustada (Peru-Espanha/2009, 95 min.) - Drama. Dir. Claudia Llosa. 14 anos. Cotação: Bom

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