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Paixão pelo amarelo

Por Nelson Motta
Atualização:

Nas ruas de grandes cidades americanas e europeias sempre me admiro com o respeito, e o temor, dos motoristas pelas leis de trânsito. Não há horário ou pretexto para que algum carro avance com o sinal amarelo. Pode até ranger freios e pneus, dar um susto no passageiro, até mesmo levar uma encostada na traseira, mas ninguém cruza a faixa de pedestres no amarelo. Não só a multa é pesadíssima, como o infrator tem de comparecer ao tribunal, perde pontos na carteira, tem uma grossa chateação. É um comportamento profundamente arraigado nos motoristas e um símbolo de convívio urbano civilizado. Entre nós é justamente o contrário. Porque no Brasil em geral, e no Rio de Janeiro em particular, a regra é aproveitar até o último restinho de amarelo antes do vermelho e ser mais esperto do que os outros. Pelo menos até o próximo semáforo. Em cidades mais violentas e inseguras como Rio, Recife, Belo Horizonte e Vitória, nem o sinal vermelho é respeitado, por motivos contundentes: para não ser assaltado, hoje um clássico urbano brasileiro. O Estado é incapaz de dar segurança ao cidadão e não pode puni-lo por proteger sua própria vida. Mas mesmo em nossas cidades mais civilizadas o amarelo é como um extra, um "chorinho" do verde. Não é preciso ser nenhum professor DaMatta para perceber que, mais do que um mau hábito, é uma metáfora do nosso jeito brasileiro de ser. A pressa que leva ao atraso. Acostumado a atravessar as ruas do Rio de Janeiro depressa, mesmo com a luz verde, e depois de olhar para os dois lados, até em vias de mão única, tive um choque de civilização em Roma quando descobri, incrédulo, que onde não havia semáforo bastava colocar o pé na faixa para que todos os carros parassem imediatamente, em qualquer lugar ou horário, por mais movimentados que fossem. Mas nós amamos tanto o amarelo, símbolo do ouro na nossa bandeira e na camisa da seleção, que o usamos até para mostrar desprezo. Se falta coragem a alguém em um momento decisivo, diz-se que amarelou. Como o senador Mercadante, que para não ficar vermelho por cinco minutos vai ficar amarelo o resto da vida.

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