Páginas de literatura digital

Ou seria melhor dizer telas, posts, tweets? A internet[br]não é mais só espaço de divulgação para autores: novas obras passam a incorporar as suas ferramentas no processo de criação

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Por Ubiratan Brasil
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A literatura definitivamente já navega na era digital - depois do megassucesso O Código Da Vinci, o escritor americano Dan Brown anunciou que seu próximo romance, The Lost Symbol, será lançado no dia 15 de setembro tanto na versão impressa como na eletrônica, no formato e-book. Com isso, a primeira edição será de 5 milhões de exemplares. Já a canadense Margaret Atwood divertiu-se ao participar de uma experiência inusitada, no ano passado: autografar um livro a distância. Para isso, utilizou um novo aparelho, LongPen, no qual ela escreveu com uma caneta especial, stylus, que transmitiu por internet sua assinatura. Detalhe: Margaret estava em Toronto, no Canadá, e o livro autografado em Pittsburgh, nos Estados Unidos. Uma brincadeira, é verdade, mas que pode funcionar como metáfora das inúmeras possibilidades oferecidas à literatura pelas novas tecnologias. O futuro multimídia do mundo dos livros sacode o mercado, que já discute como ficará a página impressa. Afinal, só neste ano surgiram vídeos online dramatizados, histórias desenvolvidas no Twitter, sites que abrigam diversos escritores e suas tramas variadas, além de novos dispositivos de leitura como os da Amazon, Samsung, Fujitsu e também da Sony, que formou parceria com o Google para obras que estão em domínio público e não contam mais com a proteção dos direitos autorais. A corrida tecnológica, aliás, começou com a indústria responsável pelos novos formatos de leitura, os já conhecidos e-books. Além daquelas empresas, a Netronix, de Taiwan, promete para o fim do ano modelos com telas sensíveis a toques. Também a holandesa Polymer Vision planeja um leitor eletrônico portátil com tela que pode ser enrolada. ''São formas do século 20 que, num sentido prático, foram ativadas pelo computador e permitem ao leitor avançar mediante uma interface, em vez de virar as páginas ou ouvir alguém lendo'', comenta Nick Montfort, professor de mídia digital do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e autor de ficção interativa. Com o surgimento dos equipamentos eletrônicos, que já provocam uma reconsideração sobre o tipo de experiência que os livros ainda poderão trazer, o mercado se mobiliza, inclusive no Brasil. ''Todos, editores e autores, devemos descobrir nosso novo papel em meio aos avanços tecnológicos'', comenta Rosely Boschini, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL). ''E logo'', arremata. A pressa se justifica: as editoras nacionais comemoraram, há duas semanas, o anúncio de crescimento em 9,7% em 2008 (a arrecadação atingiu R$ 3,3 bilhões ante R$ 3,01 bilhões de 2007), segundo pesquisa anual sobre Produção e Venda do Setor Editorial Brasileiro, encomendada à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da USP. Mas os empresários daqui não foram afetados pela mesma dor crônica que atacou outros segmentos, provocada pela crise econômica global. ''E a situação em 2010 pode não ser tão confortável'', alerta Leda Maria Paulani, coordenadora da pesquisa. Por conta disso foi criada, na CBL, a Comissão do Livro Digital, com o objetivo de mapear o mercado, estabelecer convergências e antecipar problemas com direitos autorais e questões de toda a ordem com o governo - tributárias, por exemplo. Divididos em três grupos, os membros vêm se reunindo desde o início de agosto e, no dia 6 de outubro, deverão apresentar seus relatórios finais. ''Queremos deixar o terreno preparado para os avanços digitais'', comenta Rosely Boschini. Na verdade, o processo já é desenvolvido em território nacional. Chama-se Mix Leitor D o primeiro leitor eletrônico de livros com tecnologia de software totalmente brasileira e patente requerida no segmento de e-readers. Depois de um ano de pesquisas, o aparelho foi criado pela Mix Tecnologia, empresa do polo digital do Recife, e pela Carpe Diem Edições e Produções, editora de livros e produtora da Festa Literária Internacional de Porto de Galinhas (Fliporto). Segundo os fabricantes, os primeiros modelos deverão ser comercializados a partir de junho de 2010 e o destaque será uma ferramenta educacional que proporá perguntas sobre o assunto que estiver piscando na tela. Também será possível baixar livros disponíveis na rede, em repositórios abertos - como o site Domínio Público. Com o desenvolvimento das ferramentas a todo vapor, resta a questão sobre a produção propriamente dita de literatura - ou, para usar um termo mais adequado a estes tempos, do ''conteúdo''. Diversos escritores já se aventuram em formatos diferentes. Possivelmente, em breve teremos um novo Pen Club: o Pen Drive Club. No início do mês, por exemplo, a escritora e editora Heloisa Buarque de Holanda lançou o site Enter - Antologia Digital (www.oinstituto.org.br/enter), que reúne o trabalho textual e audiovisual de 37 escritores, como Marcelino Freire e João Paulo Cuenca. Lá, além da leitura, também é possível visualizar o autor em ação. Criativa, uma comunidade de poetas americanos criou o chamado spoem, forma de construção poética a partir de restos de e-mails, o conhecido spam. O resultado lembra mensagens poéticas cifradas, como mostra o site www.spoem.com. Segundo seus seguidores, spoem pode ser considerado evolução do sistema de elaboração de poesia criado por William Burroughs, o cut up (cortar). ''Trata-se de um exercício não de criatividade, mas de treino do olhar para algo inesperado'', diz o texto de abertura do site. No Brasil, vingaram experiências como o SD8, em que o carioca Claudio Soares adaptou seu livro Santos-Dumont Número 8 (Digerati) para o Twitter. Não traz a versão integral, mas trechos que permitem uma personalização da leitura. Nem todos, porém, aprovam inovações. O inglês Andrew Keen, por exemplo, virá para a Bienal do Livro do Rio, em setembro, para promover o livro O Culto do Amador (Jorge Zahar), no qual prega que a internet piora a qualidade da informação e ameaça a cultura. Para ele, a distinção entre especialista e amador torna-se cada vez mais ambígua na rede mundial. Já a CK-12 Foundation, organização sem fins lucrativos, busca estabelecer padrões para e-books usados por estudantes até 12 anos. Um de seus projetos, a ferramenta FlexBooks, cria livros didáticos eletrônicos que podem receber modificações tanto de professores como de alunos. O debate - e as oportunidades - estão abertos.

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