Ovação, vaia, polêmica e histrionismo

Nova Lei Rouanet deflagra confrontos e aglutina apoios, em teste de fogo em SP

PUBLICIDADE

Por Jotabê Medeiros
Atualização:

Foi o maior e mais quente debate sobre as mudanças na Lei Rouanet até agora. Cerca de 400 pessoas, entre artistas, produtores culturais, intelectuais, políticos e ministros, lotaram a conferência pública sobre a reforma da legislação de incentivo à cultura, no auditório da Associação dos Advogados de São Paulo, Centro de São Paulo, anteontem à noite. Manifestantes do Grupo 27 de Março, responsável pela invasão da Funarte há três meses, agitaram o encontro com vaias, ovações e palavras de ordem ("Abaixo a baixaria, cultura não é mercadoria!", gritavam). Entre os participantes estavam as atrizes Beatriz Segall, Rosi Campos, Ester Góes, o ator e produtor teatral Odilon Wagner, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), a socióloga Maria Vitória Benevides (USP), o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Ubiratan Aguiar, além dos ministros Juca Ferreira (Cultura) e Fernando Haddad (Educação). O debate começou às 19h30 e terminou por volta das 23 h. A temperatura chegou a subir em alguns momentos, especialmente entre Juca Ferreira e o ator Odilon Wagner, que preside a Associação de Produtores Teatrais Independentes (APTI). O ministro acusou produtores que usufruem de privilégios na formatação atual da Rouanet de não querer nem ouvir falar em mudanças. Wagner retrucou, afirmando que o próprio Ministério da Cultura (MinC) reproduz a concentração que denuncia - nas mãos de 3% dos produtores e essencialmente no Sudeste brasileiro - quando usa o atual Fundo Nacional de Cultura. Segundo Odilon Wagner, a cultura é mais vigorosa no Sudeste porque estão aqui as empresas mais rentáveis. Ferreira disse que Wagner não soube ler os dados disponíveis. "Não adianta buscar cabelo em ovo, Odilon", disse o ministro. "É impossível defender tamanha concentração (de dinheiro)." "Tentaram desmoralizar o novo projeto antes que fosse apresentado. Mas a atual legislação permite desvios e práticas ilegais", completou Ferreira, que disse que teve de fazer "grande esforço para manter o ministério íntegro", face ao sem número de abordagens que recebeu de artistas e produtores em busca de privilégios. Nesse trecho de sua fala, Ferreira ficou emocionado e conclamou os produtores de cultura a mudar o sistema "para evitar que esses despachantes fiquem corrompendo o Ministério da Cultura brasileiro". Predominou o apoio explícito ao ministro e à proposta, mas produtores contrários ao novo texto reclamaram de espaço para se manifestarem. "É um evento controlado. Uma plateia amiga, um programa de auditório, e não um debate", acusou Paulo Pélico, dramaturgo e cineasta, diretor da Apetesp (Associação de Produtores Teatrais do Estado de SP). Pélico se retirou do auditório em protesto. Mas o fato é que quase todos os inscritos para falar - havia filas diante de dois microfones na plateia - conseguiram se manifestar até o final do encontro. O ator Ney Piacentini, presidente da Cooperativa Paulista de Teatro, disse que uma "minoria que tem acesso aos meios de comunicação" é que faz a mais forte oposição a uma reforma na legislação cultural. Ari Brandi, do Teatro Grafite, recusou com destempero a afirmação, ironizando as intervenções dos colegas favoráveis ao projeto aos gritos, na frente da mesa. Os sociólogos Renato Ortiz, da Unicamp, e Maria Vitória Benevides, da USP, participantes da mesa, defenderam com verve acadêmica as reformas. "É um projeto emancipatório", afirmou Maria Vitória. "Se a lei não existisse, ela deveria ser inventada", afirmou Renato Ortiz, que desdenhou da acusação de "dirigismo cultural" que se faz à nova lei. "O dirigismo cultural é impossível no contexto contemporâneo. Esse espaço já está ocupado pela grande mídia, pela Rede Globo", disse. "Vai ser muito difícil estabelecer um vínculo dirigista com um grupo indígena que queira fazer um filme." Frases Você saiu daquela reunião no MinC dizendo que não havia um projeto novo, era blefe. Lembra daquela sua declaração, Odilon? Vocês agora estão passeando nos intestinos do Ministério da Cultura, mas não sabem ler. O outro ali reclama do excesso de debates. Isso é falta de cultura democrática. JUCA FERREIRA MINISTRO DA CULTURA A área cultural não tem corrupção? O risco é o mesmo de qualquer área. Onde há o agente privado e o dinheiro público, há o risco. É preciso auditoria e gerenciamento dos projetos. CLAUDIO WEBER ABRAMO ONG TRANSPARÊNCIA BRASIL Aqui é uma plateia amiga, um evento controlado, um programa de auditório e não um debate. PAULO PÉLICO PRODUTOR CULTURAL Não há um só número verdadeiro entre esses que o Ministério apresentou até agora sobre concentração de recursos. ODILON WAGNER PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DOS PRODUTORES DE TEATRO INDEPENDENTE (APTI) Pelo menos desde a Revolução Francesa, que não passou por aqui, sentimos falta dessa característica: solidariedade. Mas como exigência democrática. Não é caridade, não é benevolência. MARIA VITÓRIA BENEVIDES SOCIÓLOGA DA USP Não podemos tornar isso ideológico, o bem contra o mal. Nada do que está sendo discutido aqui está no projeto. E essa dicotomia é insuperável. MAURICIO FITTIPALDI ADVOGADO

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.