PUBLICIDADE

Outras viagens à essência dos místicos indianos

Conrad Rooks, Peter Brook e Satiajit Ray também investigam o mistério

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Há um extraordinário interesse pelo Oriente - e pela Índia -, que deve culminar, neste domingo, com a vitória anunciada de Quem Quer Ser Um Milionário no Oscar. Slumdog Millionaire, Bollywood, a novela de Glória Perez e a própria Índia, com sua democracia e economia global que atraem (e desafiam) o Ocidente, tudo isso ajuda a explicar o que está acontecendo. Mas o fascínio pela cultura indiana vai muito além desse interesse momentâneo. Ao longo do tempo, e da História - com maiúscula -, o Ocidente muitas vezes tentou decifrar o enigma da Índia. O clássico de Jean Renoir é a pérola de uma série de lançamentos em DVD, mas o olhar estrangeiro sobre a Índia também caracteriza Mahabharata, de Peter Brook, e Siddhartha, de Conrad Rooks - adaptado do romance de Hermann Hesse -, isso para não falar da Índia vista pelos próprios indianos, na trilogia de Apu, de Satyajit Ray. Integrante de uma família de artistas e intelectuais, Satiajit foi assistente de Renoir em O Rio Sagrado. Embora bem-nascido - numa sociedade de castas -, a perda da fortuna familiar levou-o a uma infância e juventude de dificuldades. Não admira que o jovem Satiajit tenha feito sua opção pelo neorrealismo italiano, e pelos excluídos, ao se iniciar na direção em 1957 com Canção da Estrada (Pather Panchali). Seguiram-se O Invencível (Aparajito) e, um pouco mais tarde, O Mundo de Apu (Apu Sansar), todos adaptados de um famoso romance bengali e que juntos compõem a trilogia de Apu, que o diretor encerrou em 1959 - há 50 anos -, seguindo esse personagem que busca seu lugar na sociedade e realiza um casamento de conveniência. Há muito do próprio Satiajit Ray nesses filmes e ele virou uma referência do cinema asiático - e autoral - nos anos 50 e 60, com direito, nos 90, pouco antes de morrer (em 1992), a um Oscar honorário da Academia de Hollywood. Não há nada de exótico nesse olhar ?de dentro? que Satiajit Ray lança sobre seu país, tentando expressar sua diversidade cultural e contradições sociais. O exotismo, pelo contrário, domina Siddhartha, o que não impede que a visualização do romance de Hermann Nesse por Conrad Rooks tenha certo fascínio. Rooks veio da produção independente e do cinema de arte. Atraiu-o a história desse indiano que abandona a família em busca de uma vida de descobertas e prazeres, com momentos de intensa plasticidade - a fotografia é de Sven Nykvist - e jubiloso erotismo - com direito a ilustração, um tanto edulcorada, para passar na censura - do Kama Sutra. A tese de Rooks/Hesse não é diferente da de Jean Renoir em O Rio Sagrado e a grande descoberta do herói é a de que o rio, em cujas margens ele se penitencia, é esse símbolo do movimento da vida. Shashi Kapoor é o intérprete do papel e ele pertence a uma linhagem de grandes astros do cinema indiano - a família Kapoor até hoje brilha em Bollywood, com direito a participação em Slumdog Millionaire. Finalmente, Mahabharata. O livro sagrado dos indianos foi vertido para o teatro por Peter Brook, que adaptou o texto com Jean-Claude Carrière. Brook, grande homem de teatro, fez uma meia dúzia de filmes para mostrar que o cinema não é sua linguagem. A viagem do diretor pelo passado da Índia, tratando do confronto entre Pandavas e Kauravas, é mais uma prova disso, mas é difícil resistir a tantos momentos fulgurantes, em que a palavra, como no teatro, reina soberana. Serviço O Mundo de Apu. Trilogia. R$ 112,90. Mahabharata (The Mahabharata). Inglaterra/França, 1989. Caixa com três DVDs, R$ 144. Siddhartha (Siddhartha). EUA, 1972. R$ 44,90. Lançamentos Silver Screen

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.