Os humanos, inimigos do planeta

Nova versão de O Dia em Que a Terra Parou impressiona mais, mas apenas substitui equívocos do filme anterior, de 1951

PUBLICIDADE

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Apesar de sua aura como clássico de ficção científica, não se pode dizer que O Dia em Que a Terra Parou, o original de Robert Wise, de 1951, seja mesmo um grande filme. A preocupação do diretor em criar uma obra de advertência - sobre os perigos do confronto nuclear, em plena Guerra Fria - vem traduzido em cenas moralizadoras, com base no roteiro um tanto literário de Edmund North. Um pouco mais de cenas excitantes também ajudariam, mas o grande problema nem é nada disso. Era o próprio conceito. O que Klaatu, o alienígena de forma humana, interpretado por Michael Rennie, vinha apresentar aos terráqueos era um ultimato. Com a galáxia ameaçada pela destruição atômica da Terra, o que ele propunha era deixar seu robô, Gort, tutelando a humanidade. Se os humanos não se comportassem, como adolescentes merecedores de repreensão, Gort teria poderes para destruir o mundo, como forma de salvar a galáxia. Assista ao trailer do filme Isso já era no mínimo discutível, há 58 anos, mas no clima de paranoia da época, já em plena caça às bruxas do macarthismo, a ?mensagem? parecia adulta, e como tal foi recebida pela crítica. A nova versão de Scott Derrickson, que estreia hoje nos cinemas brasileiros - mais de 300 cópias -, está sendo cobrada agora pelas tolices, travestidas de boa vontade, que os críticos toleraram em Wise. O filme começa com um prólogo, em 1928, para explicar a forma humana assumida pelo ET de O Dia em Que a Terra Parou. O ator é Keanu Reeves, fazendo mais um de seus papéis como salvador da humanidade. Na sequência, a narrativa prossegue nos dias atuais, com um grupo de cientistas sendo praticamente sequestrados por militares de suas casas. Jennifer Connelly é uma deles, conduzida para Nova York - o original passava-se em Washington -, onde uma esfera, substituindo o disco voador do filme antigo, desce no Central Park. Dela, saem o humanoide, Klaatu, e seu robô, Gort - muito mais poderoso e indestrutível, de acordo com as ilimitadas possibilidades que a tecnologia de ponta abre para os criadores de efeitos especiais. Apenas meio século não parece representar muito na história da humanidade, mas, ao longo dos 58 anos que separam as duas versões de O Dia em Que a Terra Parou, o perigo atômico foi sendo agravado - e substituído - pelo desequilíbrio ecológico. A Terra está doente, mortalmente infectada pelo próprio homem. Klaatu veio para destruir e os políticos continuam não entendendo nada. O presidente dos EUA desapareceu. Está em algum lugar, desconhecido e inexpugnável - metáfora, quem sabe, para o melancólico final de presidência de George W. Bush, que já vai tarde. Em seu lugar, entra em cena a subsecretária de Defesa Kathy Bates, que parece, de alguma forma, interpretar Bush Jr. As ordens do presidente são confrontar o poder dos alienígenas, o que Kathy faz, mesmo sabendo que não tem poder de fogo contra um inimigo muito mais poderoso. A salvação da humanidade - isso já estava em Wise - fica nas mãos de três personagens. A cientista Jennifer, seu enteado mestiço - interpretado pelo filho de Will Smith, Jared - e o outro cientista, vencedor do Prêmio Nobel, que John Cleese cria a sério. É na casa deste último que Klaatu (Keanu) ouve Bach, que compunha para fazer que, com sua música, o homem conversasse com Deus. O detalhe não é irrelevante. Como no filme antigo, a humanidade é boa, os líderes é que estão destruindo a Terra. Na versão antiga, era mais crível atribuir o militarismo e a destruição aos líderes. Face ao consumismo atual - o que você já fez hoje para preservar os recursos finitos da Terra? -, a crítica deveria ser, talvez, compartilhada, mas Klaatu descobre de novo que as pessoas são, basicamente, boas. E é graças a Jennifer e a Jared, numa cena que se passa significativamente num cemitério - o enterro da Velha Terra? -, que se abre mais uma vez a possibilidade de sobrevivência. Mais de um crítico já andou dizendo que O Dia em Que a Terra Parou, a versão de 2008/ 2009, foi adaptado para veicular as teses do ex-vice-presidente Al Gore em defesa do planeta. Não deixa de ser verdade. O caso do diretor Derrickson não deixa de ser curioso. Em seu longa anterior, O Exorcismo de Emily Rose, ele tirou o exorcismo da Igreja e o levou ao tribunal, misturando gêneros e fazendo com que o padre tivesse de responder judicialmente, no plano da Justiça secular, por negligências cometidas em nome de preceitos teológicos. O filme era muito interessante - bem mais do que O Dia em Que a Terra Parou, embora a ficção científica, aqui, não deixe de englobar questões científicas, humanitárias e teológicas, como quando Jared Smith pede a Klaatu que ressuscite seu pai morto na guerra. Quem (reviu) recentemente o filme antigo vai sentir falta da cena em que Patricia Neal leva a Gort a mensagem do herói ET. A frase famosa - ?Klaatu barada nikto? - aparece de cara, mas foi descontextualizada. Filme grande, O Dia não é um grande filme. Seus efeitos e boas intenções impressionam e valem, de qualquer maneira, modestas duas estrelas. Serviço O Dia em Que a Terra Parou (The Day the Earth Stood Still, EUA/ 2008, 106 min.) - Drama. Dir. Scott Derrickson. 10 anos. Cotação: Regular

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.