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Os gritos do silêncio em As Troianas

Diretor suprimiu o texto das mulheres ao encenar essa tragédia de Eurípides

Por Beth Néspoli
Atualização:

Primeiro foi a delicada ousadia do espetáculo R&J, adaptação de Romeu e Julieta com poucos e bem usados elementos cênicos e elenco inteiramente masculino, a chamar atenção sobre para os artistas do Núcleo Experimental: o diretor José Henrique de Paula, a atriz e preparadora corporal Inês Aranha e a diretora musical e preparadora vocal Fernanda Maia. Depois vieram espetáculos como Mojo, Cândida e, por último, uma montagem de Senhora dos Afogados corajosa na sua proposta de inserir música popular brasileira na narrativa dessa tragédia sombria de Nelson Rodrigues. Agora, esse grupo se arrisca novamente numa encenação autoral de As Troianas, o contundente libelo do grego Eurípides contra a guerra, que estreia hoje no Sesc da Avenida Paulista. Mais uma vez Zé Henrique de Paula e Fernanda Maia assinam a direção, ele a de cena, ela a musical. O título do espetáculo tem uma extensão, As Troianas - Vozes da Guerra, mas significativamente, o texto das mulheres foi suprimido. Só os personagens masculinos se expressam com palavras, porém em alemão, e um pouco em iídiche. "A ideia desde o início era retirar o ?logos? para experimentar qual a força do ?pathos? na sustentação dessa tragédia", diz Zé Henrique. A visão da dor de uma mãe que chora sobre o corpo do filho pode prescindir da força poética das palavras e da argumentação racional para provocar no espectador a um só tempo comoção e rejeição à guerra? Pelo que se viu no ensaio acompanhado pelo Estado, o espectador que não domina o idioma alemão é conduzido a construir sua compreensão dos acontecimentos cênicos unicamente a partir da sonoridade da falas masculinas e das ações e gestos da mulheres: um conjunto de imagens de dor, sofrimento e humilhação. "Procuramos manter o desenho da peça original, uma linha descendente rumo ao abismo", diz Zé Henrique. Nessa peça contra a guerra tudo começa pelo seu fim, após a derrota de Troia. A cidade já foi completa e meticulosamente destruída, as naus dos gregos vitoriosos estão prontas para partir e toda a ação da peça se concentra no destino das mulheres, tratadas como despojos a serem partilhados entre os soldados gregos. Nessa encenação, Inês Aranha, como Hécuba, está também no elenco, grande, 15 intérpretes em cena, entre eles Norma Gabriel (Helena), Kelly Klein (Cassandra) e Ci Teixeira (Andrômaca). Há ainda a participação em vídeo de Patricia Pichamone e Sergio Mastropasqua, o ?pastor? de Cândida. O texto que chega aos ouvidos do público nas vozes masculinas é o original de Eurípides, mas visualmente a ação se passa num campo de concentração, num paralelo entre o extermínio dos troianos e o dos judeus na 2ª Guerra. Não por acaso um vagão de trem, de onde saem as mulheres no prólogo do espetáculo, é o elemento cenográfico mais impactante. Há ainda malas, uniformes nazistas, mas em geral predomina a síntese dos elementos cênicos característica desse grupo. E a música, mais uma vez, se faz presente como importante elemento narrativo. "Fernanda fez uma seleção de mais de 50 canções significativas, de etnias que já tivessem vivido cenas semelhantes", diz Zé Henrique. Ao fim, ficaram 9, entre elas a irlandesa Danny Boy, a grega O Haralambis, a servo-croata A Sto Cemo e a japonesa Furu Sato. Serviço As Troianas - Vozes da Guerra. 75 min. 14 anos. Sesc Avenida Paulista (40 lug.). Av. Paulista, 119, telefone 3179-3700. De 6.ª a dom., às 20 h. R$ 5 a R$ 20. Até 12/7

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