PUBLICIDADE

Os 40 anos do mais subversivo dos tabloides

Edição comemora as quatro décadas do Pasquim, jornal que enfrentou a ditadura com irreverência

Foto do author Ubiratan Brasil
Por Ubiratan Brasil
Atualização:

Premonitório, Millôr Fernandes deu o aviso logo no primeiro número: se o jornal fosse independente, seria fechado - se não fosse fechado, era porque deixara de ser independente. Quando chegou às bancas, no dia 26 de junho de 1969, o Pasquim abriu uma brecha na imprensa brasileira ao utilizar a inteligência e o deboche como resistência à rigorosa censura imposta pelo regime militar. Para festejar os 40 anos do lançamento do tabloide mais "subversivo" do jornalismo nacional, a editora Desiderata lança simultaneamente o terceiro volume da Antologia do Pasquim (1973-1974) (376 páginas, R$ 79,90) e uma Edição Comemorativa (40 páginas, R$ 39,90, com seleção de capas publicadas. Millôr sabia do que estava falando pois, cinco anos antes, em 1964, ele editara o Pif-Paf, publicação que também confrontava o governo usando a inteligência como arma, mas que durou apenas oito números. E, assim como esta, o Pasquim também reunia um time de craques como Jaguar, Sérgio Cabral, Tarso de Castro, Claudius, Ziraldo, Fortuna, Henfil, Ivan Lessa, Paulo Francis, Luiz Carlos Maciel, além do próprio Millôr. Pressionados - como de resto toda a imprensa brasileira - pela censura imposta pelo AI-5, decretado no final de 1968, a equipe de Pasquim evitava o confronto direto e cutucava o governo militar pelo deboche na área dos costumes e da cultura. Enquanto parte da esquerda combatia pela luta armada, o tabloide trazia a fina flor do bairro carioca de Ipanema, a chamada "esquerda festiva". "A ideia de fazer um semanário de humor surgiu em setembro de 1968, bem antes do AI-5, quando morreu Sérgio Porto", conta Sérgio Augusto, colunista do Estado, um dos organizadores das coletâneas e também membro da redação do Pasquim em sua fase áurea. "Ele era o responsável pelo tabloide semanal de humor, A Carapuça, que na realidade era escrito por um clone chamado Alberto Eça, imitando o estilo do Stanislaw. Quando Sérgio morreu, ficaram todos órfãos, e o sujeito que bancava a edição do tabloide, Murilo Pereira Reis, da Distribuidora Imprensa, resolveu chamar o Tarso de Castro, que então fazia sucesso com uma coluna na Última Hora do Rio. Consultado pelo Tarso sobre a viabilidade de continuar A Carapuça, Jaguar, sabiamente, aconselhou: "Melhor fechar e abrir outro jornal." A editora topou. E foi assim que, com Tarso, Jaguar, Sérgio Cabral, Claudius Ceccon e Carlos Prósperi, os dois últimos cuidando do projeto gráfico, nasceu o Pasquim. O primeiro número só saiu nove meses depois. Sérgio Augusto concorda que o projeto era ousado e ameaçado de ter uma vida breve. "Se o Pif-Paf fora inviabilizado pela censura quando a ditadura militar ainda afiava as unhas, que futuro poderia ter um semanário de humor pós-AI-5?", questiona, lembrando que Millôr previu, por escrito, apenas três meses de vida para o Pasquim - no quarto número, no entanto, admitiu ter-se equivocado. "O jornal pegou logo, foi um sucesso fulminante, que surpreendeu até seus mais otimistas colaboradores. Em dez semanas, pulou de 28 mil exemplares para 200 mil." Os leitores de todo o País vibravam com as novidades oferecidas em 32 páginas. "Não foi só a linguagem que a patota do Pasquim mudou", observa Jaguar, na introdução do volume comemorativo. "As capas também. O nosso negócio era ser do contra. Contra a ditadura, contra as capas (não confundir com contracapas) e a linguagem solene dos jornalões no final dos anos 1960." De fato, o texto não parecia escrito, mas "falado", tamanha a intimidade criada com o leitor. Bastariam as entrevistas como exemplo supremo de tal liberdade. O primeiro número trouxe Ibrahim Sued que, durante muitos anos, reinou entre os colunistas sociais cariocas. E a conversa foi reproduzida na íntegra, da mesma forma como acontecera, com registros de gargalhadas, insultos mútuos e até interrupções como "Fulano, traz mais gelo!". Não se tratava da criação de um estilo, mas fruto de problemas prosaicos: curto tempo para cumprir o prazo ou, principal motivo, preguiça para tirar as fitas cassetes. E assim foi nas demais edições - durante várias horas, a equipe do Pasquim se reunia com o entrevistado e, regados a petiscos e muita bebida, a conversa fluía solta. Em apenas um caso foi preciso uma intervenção, pois exibia uma transgressão que beirava a afronta: a famosa entrevista com Leila Diniz, a musa do prazer dos anos 1960, na edição nº 22. Despreocupada, ela disparou inúmeros palavrões que, por sugestão de Tarso de Castro, foram substituídos por asteriscos. A censura, porém, não perdoou e arregalou o olho para os números seguintes, passando a acompanhar o trabalho diretamente na redação a partir do 39º número. Leila também foi duramente criticada pela facção conservadora da sociedade - aliás, justamente a que estava no poder. A perseguição tornou-se violenta em 1970, quando Ziraldo, Tarso, Francis, Cabral, Maciel, Fortuna, Jaguar, o fotógrafo Paulo Garcez e o funcionário Haroldo passaram dois meses presos (ou "gripados", como noticiava o jornal, driblando o cerco). E, se algum texto conseguisse enganar o censor, a edição era confiscada na banca. Isso assustou anunciantes e prejudicou a circulação. Também a equipe de jornalistas não era capaz de administrar corretamente a empresa, sangrando ainda mais o cofre. Mesmo assim, o Pasquim resistiu à ditadura e chegou 1.072 vezes às bancas, em 22 anos de existência. Deixou um precioso legado, como textos mais soltos na imprensa diária e um incentivo ao humor escrachado e inteligente, hoje defendido pelo pessoal do Casseta & Planeta. "Não era para ter durado tanto", observa Sérgio Augusto. "Deveria ter se transformado em algo próximo do Village Voice, já no terceiro ano de existência, mas não havia infraestrutura para essa guinada."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.