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Onde os atores são deuses e têm até templo

Astros venerados e carismáticos que nunca fazem papel de vilão podem ser vistos, até o dia 17, na 2.ª Mostra de Bollywood

Por Franthiesco Ballerini , Mumbai e Índia
Atualização:

Se você acha que atores como Fernanda Montenegro e Antonio Fagundes são venerados aqui no Brasil, não imagina como funciona a relação dos artistas com o sistema e fãs na Índia. Por lá, a palavra astro nem é usada para veteranos como eles. Na verdade, eles são deuses. ''''Temos poucas grandes estrelas do cinema. Isso porque eles são adorados como deuses e deuses não podem ser descartados, ou seja, são venerados até o fim da vida'''', conta Kishore Namit Kapoor, professor de uma das mais importantes escolas de atuação da Índia, que leva seu nome. Alguns desses deuses poderão ser vistos no Brasil até o dia 17, na 2ª Mostra de Cinema de Bollywood, numa parceria da Academia Internacional de Cinema com a Cinemateca Brasileira, onde serão exibidos os filmes (Largo Senador Raul Cardoso, 207, 3512-6111). Estão no evento obras do maior astro indiano do momento, Shah Rukh Khan (Dilwale Dulhania Le Jayenge), ao lado da ''''deusa'''' Kajol e longas do veterano Amitabh Bachchan (Sholay; Jhoom Barabar Jhoom), uma espécie de Al Pacino indiano. ''''Há templos para alguns desses atores no sul da Índia, ou seja, eles são venerados literalmente. Por isso, nunca estrelas como eles interpretam um vilão, porque isso seria inaceitável para o público'''', diz Kapoor. ''''Eu amo o Shah Rukh Khan, ele é perfeito. Mas meus pais ficaram preocupados quando decidi ser ator porque é quase impossível chegar ao topo como ele por aqui'''', comenta o estudante de atuação Tapan Prabhakan. Tamanha adoração não significa que esses astros sejam bons atores. ''''Não são estrelas por talento ou beleza, mas pelo carisma'''', comenta Kapoor. Isso pode ser comprovado vendo alguns desses filmes da mostra. Para entender por que a atuação indiana é tão melodramática e artificial (bem mais que nos dramalhões do México, acredite), o Estado foi conferir as aulas do Kishore Namit Kapoor Acting Institute. Com turmas pequenas - de 30 alunos por semestre - , há diversos tipos de aula, duas delas obrigatórias para todos: de dança e luta. ''''Dançar é crucial para qualquer ator por aqui. A gente dança até quando está brava. Para atores homens, lutar é imprescindível para o começo da carreira'''', comenta a aluna Kanak Khanna. Embora apenas aprendizes, os alunos parecem profissionais de luta e dança nas aulas. Já quando a questão é atuar, eles fazem caras e bocas risíveis para os padrões ocidentais. Nos filmes de Bollywood, nunca há choros de verdade, apenas a conhecida ''''lágrima de glicerina'''' (produto usado para estimular as glândulas lacrimais). ''''O rosto é o centro da atuação aqui, ampliado mil vezes na tela, então ele precisa fazer expressões fortes'''', justifica Kapoor. ''''E durante um século, o público indiano pouco se importou com a qualidade da atuação, porque não havia outra forma de entretenimento que não fosse o cinema. Shows e concertos estão chegando só agora por aqui.'''' Uma das razões para essa representação forçada é que os professores das próprias escolas repassam para as novas gerações essa forma de atuar. Este talvez seja o último aspecto que entrará na atual transição do cinema indiano, já que o público local não aceita facilmente a forma de representar habitual do Ocidente - que procura trazer emoções reais dos personagens, buscando na memória pessoal experiências semelhantes. Há uma outra razão para a má interpretação. ''''A maioria dos atores ainda recebe os roteiros 15 minutos antes de rodar o filme porque a filmagem tinha de ser resolvida quase no mesmo dia'''', conta Aryaman Sapru, ex-ator e atual professor do instituto. Achou tudo muito estranho? Então ouça isso. ''''Adorar os astros aqui é como torcer para um time de futebol no Brasil. Há rivalidades entre quem ama Shah Rukh Khan e aquele que adora Aamir Khan, por exemplo. Se o filme do meu astro vai mal, chamo todos meus conhecidos para ir ao cinema ou comprar o DVD, para bater meu ''''oponente'''''''', conta Kapoor. Para ter um astro como esses num filme não custa menos do que US$ 7 milhões. Pode ser uma ninharia nos padrões de Hollywood, mas é uma fortuna na Índia. Pelo menos por enquanto. O repórter viajou a convite da organização do festival

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