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Obsessão amorosa ou história mística?

Filme de Philippe Garrel tem deixado os espectadores desconcertados

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Por Redação
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Acontece uma coisa engraçada com quem assiste A Fronteira da Alvorada. Alguns gostam da primeira parte e abominam a segunda. Outros sentem exatamente o contrário. Isso daria um belo estudo da psicologia do espectador e das expectativas que alimentamos em relação aos filmes, antes mesmo de nos sentarmos no cinema para vê-los. Sim, porque se trata de uma obra de Philippe Garrel e, portanto, destinada a chamar a atenção de uma parcela relativamente restrita de público. Aquela que gosta e procura acompanhar o cinema francês e, em especial, o cinema francês "de arte". É o público que viu - e em boa parte amou - o trabalho anterior do cineasta, Amantes Constantes, ambientado no ano rebelde de 1968. Acontece que A Fronteira da Alvorada, sem ser melhor que Amantes Constantes, é filme mais desconcertante. Sua primeira parte se mantém quase nos eixos bem-comportados de uma história de amor realista, embora calcado no excesso, como convém às paixões. Acontece que, na segunda parte, a coisa muda de figura e direção. Pode ser lida como desdobramento necessário de uma obsessão amorosa. Mas alguns espectadores tendem a ver nesse desfecho algo da ordem do sobrenatural. Pensando bem, não são tão inconciliáveis assim. Mas isso vai do gosto e da interpretação de cada um. O que fica, acima das leituras possíveis, é o impacto produzido pela obra. Não apenas em razão do notável preto-e-branco (mais uma vez do fotógrafo William Lubtchansky, o mesmo de Amantes Constantes) e das cordas dissonantes de Jean-Claude Vanier e Didier Lockwood, mas da maneira como Garrel enquadra os personagens e a paisagem, como faz seus atores se movimentarem pelo quadro. É pintura. É o belo, mas com um grau de estranheza nele embutido. Algo como uma forma tradicional, corrompida por dentro por algo que a inquieta e a desconstrói. Assim, a aura romântica exacerbada do affair entre François (Louis Garrel, filho do diretor) e Carole (Laura Smet) de certa forma nos prepara para o que virá a seguir. O amor que se recusa a morrer. Ou alguma outra estranheza desse tipo.

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