Obras ancestrais ganham frescor contemporâneo

Leituras das partituras revelam o arranjador pouco conhecido

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Por Lauro Lisboa Garcia
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Iniciativas de músicos como Henrique Cazes e Paulo Moura têm sido importantes para manter a obra de Pixinguinha em movimento nas últimas décadas, revelando composições inéditas ou reinterpretando clássicos. Faltava, porém, um projeto do porte deste. Os três primeiros da série de dez CDs são de grande importância não apenas por trazerem material inédito ou raro, gravado impecavelmente, mas por valorizar um aspecto pouco lembrado da arte do pioneiro Pixinguinha (1897-1973): o arranjador. Mais conhecido como instrumentista e autor de clássicos com Carinhoso e Rosa, Pixinguinha, como lembra seu biógrafo Sérgio Cabral, no encarte de Pixinguinha Sinfônico Popular, "foi o primeiro a adornar nossa música com vestes realmente brasileiras". Nessas orquestrações, em que o popular e o erudito rompem fronteiras, o sotaque brasileiro aparece em forma de maxixe, choro, modinha, valsa, marcha, batucada. Desde o minucioso trabalho de recuperação das partituras, tudo tem sido "uma grande surpresa", segundo o músico Caio Cezar, responsável pela direção musical da série, na qual vem trabalhando há cerca de dez anos, inclusive como conselheiro e revisor das partituras para o Instituto Moreira Salles. Uma das surpresas que Cezar aponta foi a descoberta da trilha sonora do filme Sol Sobre a Lama, aqui reunida no CD Pixinguinha no Cinema, que sela a parceria do compositor com Vinicius de Moraes (1913-1980). O clássico Lamento reúne os netos dos dois: Marcelo Vianna e Mariana de Moraes. Seule, gravada antes por Paula Morelenbaum, aqui é cantada por Céu. Outras raridades, como Samba Fúnebre e Iemanjá, ganharam interpretações impecáveis de Jards Macalé e Diogo Nogueira, respectivamente. Ingênuo, parceria com Benedito Lacerda e a predileta do mestre, confirma seu teor de obra-prima. "Conheço quase todas as orquestrações de Pixinguinha, por isso a princípio achei que não poderíamos gravar essa trilha. Olhávamos para as partituras e víamos que uma música tal tinha flautim, clarinete e tuba. Achávamos que faltava o resto das partituras, mas depois descobrimos que a música era exatamente aquilo, uma loucura. Era uma instrumentação completamente nova para o universo dele a que a gente estava acostumado", diz Cezar. Foi ele quem sugeriu a Orquestra Sinfônica do Recife, regida por Osman Gioia, para realizar Pixinguinha Sinfônico Popular, pela tradição dos metais, que vêm da cultura do frevo. Dos três tipos de orquestração que Pixinguinha utilizava este é o de "instrumentação mista", como sugere o título. "A partitura é como um livro: o que está escrito ninguém mexe. Mas você pode ler de várias maneiras", diz Cezar, que procurou músicos, como Carlos Malta (sax) e Oscar Bolão (bateria), que já tinham familiaridade com o "sotaque" de Pixinguinha. É assim que obras ancestrais soam com frescor contemporâneo.

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