Obama, santo padroeiro

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Por Lúcia Guimarães
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Uma atriz nova-iorquina diz que está planejando sua festa de ano-novo no dia 19 de janeiro. Sarah Jessica Parker quer convidar os amigos para sua townhouse no West Village e, à meia-noite, brindar o Ano 1 D.O. Depois de... o leitor sabe quem. Se Barack Obama teve crises de ansiedade enquanto jogava golfe no Havaí, seu estilo cool não transmite o menor sinal de que ele vai se tornar o presidente de 300 milhões de americanos, 12 milhões de imigrantes ilegais, assumir um país envolvido em duas guerras, afundado na maior crise econômica desde a Grande Depressão e desmoralizado no exterior por oito anos de achincalhe a muitas de suas veneradas instituições democráticas. É uma lista de abacaxis suficiente para qualquer mortal se esconder na casa de seus parentes da tribo luo, no Quênia. Falei em "mortal"? Durante a campanha, uma diversão favorita dos críticos do presidente eleito, mesmos os democratas, era fazer piadas sobre a aura messiânica que cercava o candidato. Quem não ouviu a resposta à pergunta, por que Obama é tão magro? Para poder continuar caminhando sobre a água. Veio o furação econômico e até gente com parafusos mentais supostamente bem apertados começou a olhar para Obama com uma dose de esperança insensata. Thomas Friedman, o oráculo imodesto do New York Times, sugeriu que Bush renunciasse para Obama tomar posse logo e abreviar a agonia da população. Quando Obama repetiu, em coletivas, que o país só tem um presidente de cada vez, logo apareceram comentaristas para dizer que ele estava superestimando o número atual de presidentes. Se Bush equivale a zero, nesta conta, Obama está sendo igualado a um número infinito. Os resultados variam mas, pouco antes do Natal, uma pesquisa revelou que 8 em cada 10 americanos têm expectativas altas em relação ao próximo presidente. John Kennedy, o mais eloqüente antecessor de Obama no último meio século, tomou posse dizendo aos americanos: "Não perguntem o que o país pode fazer por vocês e sim o que vocês podem fazer pelo país." É possível que a inteligência articulada e o carisma da Barack Obama provoquem uma epidemia benigna de espírito cívico e voluntarismo. Mas o país que ele encontra pouco se parece com o que Kennedy assumiu. O país que ainda abriga o maior reservatório de esperança no progresso é, neste fim de ano, um gigante alquebrado. O vice Joe Biden confessou que está menos preocupado com o que os americanos esperam do novo governo do que com a lista de expectativas do resto do mundo: "Tantos líderes mundiais me procuraram... eles estão tão carentes de um presidente que volte a refletir os nossos valores, alguém com quem eles possam conversar". Biden tem um argumento no fato de que vai ser impossível satisfazer a alemães, ingleses, chineses, paquistaneses e russos com uma só política externa. Mas qual será o poder do simbolismo para expressar mudança, já que é impossível marcar um, em toda a lista de problemas, num só mandato? Fechar Guantánamo no dia da posse e cair na realidade da lentidão da retirada do Iraque? Dar estímulo econômico à agenda verde e chegar à conferência de meio ambiente da ONU em Copenhague em dezembro sem ter conseguido convencer o Congresso a passar legislação expressiva em meio à recessão? Disparar um programa imediato de criação de empregos que não vai curar, neste contexto econômico, a decadente infra-estrutura de obras e serviços públicos do país? As listas que os americanos não param de mandar para Obama, afinal ele convidou o público a dar palpite online, contêm sugestões para reinventar o país nos menores detalhes. A lendária chef Alice Waters, da Califórnia, pediu o plantio imediato de uma horta na Casa Branca para dar o exemplo virtuoso do consumo de produtos locais. Além do site official change.gov, outros foram criados para acomodar o surto de entusiasmo pelo candidato eleito com o slogan Yes, we can ("Sim, nós podemos"). E tome sugestão - de alternativas obscuras de energia até canções compostas especialmente para o dia da posse. Albert Einstein dizia que não tinha tempo de pensar no futuro porque ele chega rápido demais. O futuro já se atrelou à caravana Obama com um peso que ele não poderia ter imaginado quando despontou do anonimato há quatro anos, com apenas um discurso, na Convenção Democrata. O primeiro exemplo óbvio da fragilidade da lua-de-mel veio quando Obama escolheu o pastor milionário Rick Warren, um poster-boy do charlatanismo televangélico americano, para fazer a invocação religiosa da posse. Uma coisa é abraçar seus opositores políticos. Outra é permitir que a posse presidencial mais esperada da história recente sirva de palco para um pregador vulgar que compara o homossexualismo ao incesto. O rancor provocado pela escolha de Warren dá uma medida da baixa tolerância do público para escorregões presidenciais. Obama, que vai prestar juramento com a mão na mesma Bíblia usada por Abraão Lincoln, pode se consolar com uma frase do presidente libertador dos escravos que tanto lhe serviu de inspiração: "O melhor aspecto do futuro é que ele só chega um dia de cada vez."

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