O professor francês, dançando com a música

O jeitinho brasileiro ajuda a evitar confrontos como o da escola francesa

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

"Não basta despejar conteúdos para cumprir metas e alimentar estatísticas tranqüilizadoras", reflete Anna Blandina, uma das professoras que viram o filme Entre os Muros da Escola, de Laurent Cantet, na sessão de sábado do Clube do Professor, no Arteplex, em São Paulo. "Mais do que a lousa cheia de informações, sinto que a minha função na sala de aula é de motivadora. Não vou conseguir ensinar tudo o que as crianças e os adolescentes necessitam para se aparelhar para o mundo. O que eu posso é abrir uma porta para eles e esperar que prossigam." Todos os professores ressaltaram o que lhes pareceu o básico - a diferença física da escola francesa e da brasileira, na qual trabalham. ?Aqui, não existe uma escola pública como a do filme. É tudo mais detonado." A questão da disciplina dentro da sala de aula também bateu forte nos professores locais. Lincoln Shedd considera a disciplina essencial. "O jovem tem de trabalhar com certos limites." Beatriz Andrade Silva encara ceticamente a disciplina. "É muito raro encontrarmos alunos respeitosos dentro da sala de aula. Dou minha aula da melhor maneira possível, mas já desisti de dar conselhos, como as professoras da minha infância e adolescência faziam. A garotada é que me dá conselhos. Dizem todo dia, a toda hora, ?Professora, a senhora devia fazer assim, assado...? É muito desgastante." O modelo do filme é democrático? Em relação aos filmes de escola onipotentes de Hollywood, em que professores autoritários põem nos eixos turmas de alunos baderneiros, sim. Mas e a realidade? Francisco E.S. Rotonclaro discute o preparo do professor. "Enfrentamos situações daquelas todos os dias na sala de aula. Podem ser resolvidas com um pedido de desculpas. Acho que a grande diferença é que, aqui, a gente se envolve mais com os alunos. O jeitinho brasileiro acredita mais na afetividade dentro da sala de aula." Talvez por ser professora de expressão corporal, Ana Figueiredo achou muito interessante o comportamento do professor, que vive dançando conforme a música. Mas ela não vê democratismo nenhum na escola francesa. Uma coisa que a impressionou muito foi a observação de um professor de que determinado aluno é ausente na sala de aula, que não participa etc. No final, todos lhe parecem ausentes, e não apenas a menina que vai dizer ao professor que nada aprendeu (mas isso não a impede de também participar da festa de encerramento). "O garoto, Suleymane, é excluído e, no final, alunos e professores confraternizam numa partida de futebol. Só que aquilo é uma falsa harmonia, uma falsa interação. A expulsão de Suleymane vai marcar a todos eles para sempre, mesmo que não verbalizem." No final da sessão, muitos professores saíam rapidamente, alegando compromissos, sem querer falar. Sem parar, caminhando e desabafando - "Coloca que meu nome é Maria" -, uma professora concluiu que o filme é muito forte e muito importante. "Não importam as diferenças culturais nem de espaço físico. O filme coloca a questão da responsabilidade do professor e do aluno. O professor pode ser bem-intencionado, mas ele sabe que não agiu bem e tenta consertar. A corda rebenta do lado mais forte, e é o do garoto. Nunca vou me esquecer de Suleymane nem na mãe dele. A altivez daquela mãe. É a única vez em que ela fala francês no filme. Agradece e vai embora. Para mim, não foi só um filme, foi uma lição de vida. Acho que vou viver muito tempo Entre os Muros da Escola."

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