O poder das musas

Mostra no Metropolitan de Nova York revela a força que elas têm de representar mudanças sociais

PUBLICIDADE

Por Tonica Chagas
Atualização:

Até lá pelo meio do século passado, modelo era o que os franceses chamavam de mannequin de cabine, moça com um bom corpo para o costureiro treinar a criatividade e também vestir aquelas criações para exibi-las a clientes do patrão. Depois da 2ª Guerra Mundial, com o surgimento das agências especializadas em promovê-las e empregá-las, o impulso dos meios de publicidade e o new look de Christian Dior, manequins como a sueca Lisa Fonssagrives - que na década de 1950 se definia como "um bom cabide de roupas" - e a brasileira Gisele Bünchen - cujas curvas e contratos a distinguem hoje como uma das mais poderosas celebridades do mundo - conseguiram transformar-se em modelos ideais de beleza e marcos de mudança. Tanto da moda como social. "Com um simples gesto, a modelo que realmente é uma estrela pode resumir a atitude da sua época, tornando-se musa não só de designers e fotógrafos mas de uma geração", diz Harold Koda, curador-chefe do Costume Institute do Metropolitan Museum de Nova York. A quatro mãos com o ex-manequim e historiador de moda Kohle Yohannan, Koda demonstra esse poder de inspiração e representação em The Model as Muse: Embodying Fashion, exposição em cartaz até 9 de agosto nas galerias especiais do segundo andar do Metropolitan. Cerca de 80 peças de alta-costura e prêt-à-porter compõem The Model as Muse, formando um painel cronológico da moda produzida entre 1947 e 1997. O prisma principal é a estética representada por 49 modelos que se destacaram nesses 50 anos. Além das peças de vestuário e acessórios, a exposição apresenta páginas de editoriais de moda, publicidade, fotografias de desfiles e projeções de filmes que contextualizam o espírito de cada década. Cenários com remontagens de fotos famosas pontuam os corredores e as galerias com o toque de John Myhre, designer de filmes como Chicago, Memórias de Uma Gueixa e Dreamgirls - Em Busca de Um Sonho. Logo na entrada impera Dovima com os Elefantes, imagem criada por Richard Avedon para a edição de setembro de 1955 da revista Harper?s Bazaar e considerada uma obra-prima da fotografia de moda de meados do século 20. Para mostrar um vestido de noite da coleção outono-inverno da Christian Dior, por sinal o primeiro desenhado por Yves Saint Laurent para a maison, Avedon colocou um grupo de paquidermes como coadjuvantes da modelo, que era famosa por suas poses sinuosas. Dovima, Lisa Fonssagrives, Suzy Parker, Sunny Harnett e Dorian Leigh, mulheres alongadas como os desenhos dos estilistas no papel, personificaram a época de ouro da alta-costura e o ideal feminino dos 50. A mudança vem com a rebelião da juventude dos 60, o futurismo de André Courrèges, Pierre Cardin e Paco Rabanne e a roupa chique e barata da marca londrina Biba. O exotismo de Veruschka ficou imortalizado no Blow Up, de Antonioni e Marisa Berenson, neta da costureira surrealista Elsa Schiaparelli, deu um ar de privilégio às páginas de moda da década dos hippies. O físico das top models passou a replicar cada vez mais os traços delgados dos designers. Aos 17 anos e com apelido muito próprio para os seus 41 quilos, Twiggy virou um fenômeno pop e tornou-se a primeira modelo do século 20 reconhecida como celebridade mundial. No centro da galeria sobre os anos 60, The Model as Muse exibe uma instalação inspirada no filme de William Klein Qui Êtes-Vous, Polly Magoo?, de 1966, com os vestidos metálicos criados por Bernard e François Baschet para aquela paródia sobre o mundo fashion e a indústria movida por ele. Desde o tipo de moça simples como uma vizinha até aquele de mulher fatal, modelos como LaurenHutton, Patti Hansen, Rene Russo,Vibeke, Lisa Taylor e Jerry Hall representaram a redefinição dos papéis femininos dos anos 70. Aparecendo nas páginas de moda como criaturas independentes, mães com carreira fora de casa ou a americana atlética, elas refletiam a entrada maciça das mulheres na força de trabalho. A predominância das louras de olhos azuis começou a ceder espaço à beleza étnica de Cristina Ferrare, Beverly Johnson, Joan Severance, ou Gia Carangi. Para apresentar seus looks boêmios, Saint Laurent escolheu Mounia e Kirat; Iman, descoberta pelo fotógrafo de vida selvagem Peter Beard, tornou-se uma das modelos de maior sucesso na época. O termo supermodel, surgido nos anos 80, definiu aquelas que Harold Koda vê como "símbolos vivos de uma época quase sempre lembrada pela ostentação de riqueza e poder, assim como uma perseguição implacável e indisfarçável de fama". Em meados da década de 90, elas começaram a ganhar mais de US$ 1 milhão por ano mas, apesar do uso muito amplo do termo, poucas alcançaram realmente a posição de tops. Pela popularidade, valor no mercado e notoriedade relacionada aos seus nomes, este altar foi ocupado por Christy Turlington, Naomi Campbell e Linda Evangelista, conhecidas como A Trindade. Com a maré da rebelião grunge dos 90, garotas que vestiam pelo avesso as normas de beleza, como Guinevere van Seenus, Stella Tennant, Jenny Shimizu, Kristen McMenamy ou Eve Salvail com suas tatuagens, passaram a ser celebradas justamente por isso. Mas foi o rosto de Kate Moss que se tornou o retrato de sua geração. Para terminar o século 20, uma onda de modelos brasileiras se espalhou pelo mundo da moda e, em julho de 1999, a revista Vogue saudou em sua capa a chegada da gaúcha Gisele Bündchen ao cume da alta moda com o título O Retorno da Modelo Sexy. Gisele virou supersuper, mega, über modelo e, com estimados US$ 35 milhões de renda por ano, redefiniu os parâmetros da indústria. A fim de levantar fundos para sua manutenção, novas aquisições e exibições, o Costume Institute realiza, anualmente, duas grandes exposições de moda, que marcam o calendário social nova-iorquino com o evento de gala mais concorrido por celebridades. O designer Marc Jacobs foi o presidente de honra da festa promovida em torno de The Model as Muse. "As modelos são uma parte tão importante do processo de design que é difícil separá-los", comentou Jacobs na abertura da exposição. "Yves Saint Laurent disse que uma boa modelo pode antecipar a moda em dez anos e, pessoalmente, acho que as mulheres lembradas aqui fizeram justamente isso."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.