O pintor Rubem Valentim é redescoberto por museus e colecionadores

Pioneiro na utilização de signos religiosos africanos em pinturas e relevos de matriz construtiva, artista baiano ganha mostra na Galeria Berenice Arvani

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Por Antonio Gonçalves Filho
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Rubem Valentim (1922-1991) é um dos artistas brasileiros mais citados nos últimos tempos por curadores internacionais e também um dos mais procurados por colecionadores e museus, que estão redescobrindo a arte desse que foi um dos raros construtivistas a lidar com signos do universo religioso de origem africana no Brasil. Prova desse interesse é a mostra Rubem Valentim: A Pintura Pulsa, com curadoria do editor Celso Fioravante, na Galeria Berenice Arvani, que, mesmo antes da abertura, no dia 13, já registrava pedidos de reserva de museus internacionais, como do Malba de Buenos Aires, que selecionou duas obras do autor.

Depois que a Tate/Liverpool e o Centro Galego de Arte Contemporânea organizaram há seis anos a exposição Afro Journeys Through the Black Atlantic, coletiva que reuniu Picasso, Brancusi e Rubem Valentim, entre outros, o nome do brasileiro passou a circular entre curadores de outros continentes, o que resultou na compra de seis obras pelo Museu de Marrakesh, vendidas pela marchande que agora organiza a mostra retrospectiva, Berenice Arvani.

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O reconhecimento internacional de Valentim, contudo, não é fenômeno recente. Um dos poucos artistas brasileiros a ter sua produção avaliada pelo respeitado crítico italiano Giulio Carlo Argan (1909-1992), em 1966, o artista baiano criou uma obra única dentro do panorama contemporâneo, que mereceu do crítico pernambucano Mário Pedrosa (1901-1981) uma comparação com dois dos maiores pintores modernos brasileiros: “Ele fez na Bahia, para a pintura brasileira, o que Tarsila e Volpi fizeram no Sul”, escreveu, em 1967, destacando a transfiguração dos “signos mágicos da liturgia negra” em formas pictóricas abstratas feita pelo pintor.

Na exposição Rubem Valentim: A Pintura Pulsa, estão reunidas 32 obras realizadas justamente na época em que Argan e Pedrosa redigiram seus comentários sobre o artista. São pinturas, desenhos, guaches, esculturas e relevos, além de estudos de grandes dimensões da coleção do artista paraense Bené Fonteles, um dos grandes estudiosos da arte de Valentim.

Mario Pedrosa já destacava em seu texto a rebeldia de um artista que se recusou a produzir um “regionalismo de fachada” ou a transformar a arte dos signos do candomblé em “pitoresca” ou “folclórica”. Classificando Valentim como “o primeiro abstrato” da Bahia, o crítico brasileiro concordou com Argan quando o italiano observou que a transmutação dos fetiches e signos litúrgicos em signos abstratos, desenraizados do terreiro, levou-os “ao campo da representação por assim dizer emblemática, ou heráldica”, carregando esses símbolos, segundo Pedrosa, de uma semântica própria.

De fato, o que se vê na exposição de Valentim é um diálogo estreito entre o mundo ancestral e o contemporâneo sem abdicar do aspecto religioso. Valentim, que abandonou a odontologia para virar artista, era obá – decididamente, um homem devotado ao culto dos orixás. O machado duplo de Xangô pode ser visto em várias de suas pinturas e relevos também como afirmação da natureza dual de um personagem que é ao mesmo tempo histórico e religioso – além de ser o único orixá capaz de exercer poder sobre os mortos. Mas, como observou o crítico Theon Spanudis, um dos primeiros a apoiar Volpi, a arte de Valentim, embora essencialmente religiosa, de uma sacralidade plena, prescindiu do rito. Ele foi pioneiro ao trazer para a arte contemporânea a herança da cultura africana, especificamente do candomblé, realizando a síntese desses elementos arcaicos com o formalismo construtivo moderno, 

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