O Pequeno Italiano, órfão de um império esfacelado

Filme do estreante Andrei Kravchuk apresenta um retrato cruel da Rússia como terra devastada e em crise de autoridade

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Por Redação
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Nos últimos anos, o cinema tem dado testemunhos impressionantes do mundo globalizado que se ergueu das ruínas do comunismo. A derrocada do império soviético, por exemplo, não fez avançar a democracia na antiga URSS e o capitalismo chinês é um dos mais brutais do mundo, o que tem favorecido, apesar das denúncias de trabalho escravo e quetais - quem se importa? -, a força competitiva do país na economia mundial. Vem agora da Rússia um filme muito interessante. O Pequeno Italiano é assinado pelo estreante Andrei Kravchuk. Fornece um retrato tão devastador da Rússia pós-comunista quanto Em Busca da Vida, de Jia Zhang-ke, revela uma China que, em nome da modernidade, atropela como um rolo compressor as mais básicas noções de direitos humanos. O filme chinês é melhor, mas isso não tira o mérito do russo. Pode-se pegar carona em Cidade dos Homens - o filme de Paulo Morelli, que estreou na semana passada, vai bem no Rio, mas os paulistas o estão ignorando -, na medida em que ambos não deixam de fornecer diferentes metáforas de países em que a orfandade das crianças é a expressão de uma visceral crise de autoridade. Os garotos de Cidade dos Homens têm de lidar com a paternidade. O pequeno italiano é um órfão entre órfãos. Também ele busca uma mãe - uma metáfora para a pátria, com certeza -, mas o caminho é feito de dificuldades e incertezas. Andrei Kravchuk não se preocupa em situar, geograficamente, a localização de seu orfanato, talvez porque aquele horror seja a expressão do que está ocorrendo na Rússia inteira. O internato, em 2007, é pior do que aquele retratado por Charles Dickens na Londres do século 19, em Oliver Twist. Aliás, o filme de Kravchuk talvez seja a atualização do livro que Roman Polanski refilmou ao pé da letra. No orfanato, as crianças menores, como o protagonista, Vanya, limpam banheiros e pedem esmolas. As mais velhas estão enredadas na violência da corrupção e da prostituição. Neste quadro, Vanya parece que vai conseguir romper o quadro de miséria e de falta de perspectivas. Um casal de italianos quer adotá-lo e, por isso, ele passa a ser chamado de ''''italianinho''''. Histórias de prostitutas russas exportadas para Israel, para a Itália e a Alemanha têm sido freqüentes no cinema recente. A Rússia também exporta órfãos, mas Vanya não quer ir para a Itália. Seu sonho é reencontrar a mãe. Com a ajuda de uma jovem, ele se lança atrás dela e o país que Kravchuk filma - sem sentimentalismo - sugere uma terra devastada.

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