PUBLICIDADE

''O nível da culinária francesa decaiu''

Francófilo por opção, o aprendiz de cozinheiro Julian Barnes elogia a cozinha britânica e revela armadilhas dos livros de receita

Foto do author Ubiratan Brasil
Por Ubiratan Brasil
Atualização:

Um olhar distraído pelo título pode ser enganador - afinal, O Pedante na Cozinha não é um livro de receitas culinárias. Tampouco é o diário de um chato que se põe a discorrer, com uma infinidade de explicações pretensiosas, sobre como é utilizado cada ingrediente de um prato refinado. Na verdade, em O Pedante na Cozinha (Editora Rocco, tradução de Jussara Simões, 144 páginas, R$ 24,50), o escritor inglês Julian Barnes revela sua trajetória como aprendiz de cozinheiro, um apaixonado por iguarias, mas que depende de fórmulas alheias para executá-las. Ou seja, um viciado em livros de receitas. Além de obras renomadas (O Papagaio de Flaubert, Amor, Etc., Uma História do Mundo em 10 Capítulos e Meio), Barnes tornou-se célebre por uma coluna no jornal The Guardian na qual tratava de suas experiências de cozinheiro doméstico. Ao questionar a dificuldade de se desvendarem certas receitas, ele cativou uma legião de leitores, infelizes por também não saber o tamanho de ''um punhado'', o volume de uma ''regada'' ou de um ''borrifo'' e de quando a ''mão cheia'' se transforma em ''à vontade''. ''O pedante na cozinha não está interessado em saber se cozinhar é ciência ou arte; ele se conforma se for um hobby. Só quer fazer comida gostosa, nutritiva, sem envenenar os amigos, só quer ampliar seu repertório, e devagar'', escreve Barnes, para quem cozinhar é a transformação da incerteza (a receita) em certeza (o prato) via estardalhaço. Para ele, a relação entre o cozinheiro profissional e o doméstico tem semelhanças com o ato sexual. ''Um é normalmente mais experiente que o outro; e ambos devem ter o direito, a qualquer momento, de dizer ''Não, isso eu não faço'''', assinala. Dono de um estômago que já saboreou pratos como cobra, crocodilo, búfalo-da-índia e canguru, Julian Barnes respondeu às seguintes perguntas, por e-mail. O que você pensa da atual tendência dos programas de televisão, como de Nigella Lawson, Jamie Oliver e Nigel Slater, do tipo ''junte tudo e vamos ver no que dá''? Bem, penso que são três diferentes tipos de cozinha. Não sigo os dois primeiros e só ocasionalmente me interesso pelo terceiro. Acredito que há uma dificuldade para os autores de livro de cozinha. Você não deve intimidar muito (como são os livros dos chefs cheios de estrelas do guia Michelin), mas, por outro lado, é preciso dar a orientação adequada. Um cozinheiro doméstico não quer uma receita para ler que aconselha: ''Você não pode eventualmente fazer isso, assim como eu.'' Mas, acreditar que tem liberdade de espírito e confiar apenas em seus instintos também não funciona, a não ser que você tenha o instinto correto. Os melhores autores de livros de cozinha escrevem como se fossem amigos tolerantes, que entendem que você precisa de ajuda. Alguma vez você se sentiu derrotado por um livro de culinária? Sim, freqüentemente. Se é minha falta, o que às vezes acontece, escrevo uma nota no canto da receita. Se é culpa do autor por ser tão vago, obscuro, complicado ou estúpido - ou por sugerir um prato com sabor repugnante -, eu simplesmente jogo o livro fora. Uma falta basta para ser riscado da minha lista. Como a gastronomia pode ser interessante para uma pessoa que, no máximo, frita ovos em casa? Não acredito que alguém deva ser forçado a cozinhar da mesma forma que não pode ser obrigado a ler um livro - nem mesmo um dos meus. Algumas pessoas não se interessam por culinária. Por mim, tudo bem. Vamos deixá-las comer bobagem e ler bobagem. Mas, como nos alimentamos duas ou três vezes ao dia, não ter nenhum interesse no processo me parece algo como privar a si mesmo de um dos prazeres da vida. E, se você gosta de comer, então eventualmente poderá descobrir que também gosta de cozinhar. Você temia que uma atividade prazerosa como comer se transformasse em algo entediante com a obrigação de escrever artigos diários? Eu estava acostumado com uma coluna semanal (antes, fui crítico de TV), então me habituei com a disciplina e a expectativa. Mas, como sempre pensei que logo ficaria sem ter o que dizer sobre culinária, eu previa um tempo limitado. Em alguns momentos, fiquei tentado a voltar a ser o Pedante novamente - talvez com uma ênfase diferente, algo como a culinária na literatura e na arte, coisas assim. Quem é o público-alvo de O Pedante na Cozinha? Cozinheiros caseiros? Sim, especialmente pessoas que descobriram que a distância entre receitas de livros (acompanhadas de suas fotos glamourosas) e os pratos realizados por alguém que as utiliza é a mesma distância que separa a pornografia do sexo normal. Ao menos espero que meu livro seja desfrutado mesmo por quem nunca cozinhou. É possível ajudar alguém a melhorar sua forma de cozinhar? Bem, ao descrever meus próprios erros e neuroses, posso ajudar a curar os seus. Qual artigo despertou mais reação dos leitores? Por quê? Provavelmente aquele em que satirizei levemente Nigel Slater. Ele é um dos intocáveis da Grã-Bretanha. É como criticar a rainha Elizabeth. Ele ficou enfurecido e me atacou em seguida. Mesmo sendo britânico, você considera a culinária francesa a melhor do mundo? Os britânicos são hoje melhores cozinheiros que antes - já não causa mais calafrios receber um convite para jantar na casa de um inglês. Se tivesse de comer apenas um tipo de comida pelo resto da minha vida, eu provavelmente escolheria a italiana. Se me fosse permitida uma variação ocasional, escolheria a francesa. O problema é que o nível dos restaurantes franceses mais comuns (percebi isso ao longo da minha experiência) decaiu muito. 10 Mandamentos do Bom Pedante 1 - Jamais comprar um livro por causa das imagens. 2 - Jamais comprar livros com layouts supertransados. 3 - Evitar livros abrangentes demais (como Grandes Pratos do Mundo). 4 - Jamais comprar o livro de receitas do chef, em exposição, quando sair do restaurante. 5 - Jamais comprar um livro sobre sucos se não possuir um espremedor de frutas. 6 - Resistir, se possível, às antologias atraentes de receitas regionais, que nos sentimos tentados a comprar de lembrança em férias no exterior. 7 - Evitar livros de receitas famosas do passado. 8 - Jamais trocar livros com receitas garantidas por uma versão nova que tenha mais figuras. 9 - Jamais comprar uma coleção de receitas com fins beneficentes. Mande o valor do livro direto para a instituição de caridade. 10 - Não esquecer que os autores de livros de culinária não diferem de outros escritores: muitos só têm um livro dentro de si (e alguns não deveriam tê-lo deixado sair). Livros Para a Estante...Da Cozinha DIÁRIO DO OLIVIER ED. MELHORAMENTOS R$ 49,90 Depois de rodar 327 mil quilômetros por 21 Estados brasileiros dentro do seu Fusca, o cozinheiro e apresentador francês Olivier Anquier convida o leitor a provar dessa viagem por meio de histórias, fotos e receitas que ele "colheu no pé", nos últimos dez anos. No cardápio estão desde a farofa de içá da d. Tita e a lingüiça calabresa do Gijo até as receitas de sucesso do autor, como confit de frango com jiló caramelizado e petit gâteau. SEGREDOS DE G. RAMSAY ED. GLOBO R$ 54 Dono de restaurantes estrelados na Europa e nos Estados Unidos, como o famoso Gordon Ramsay at Claridge?s, em Londres, o chef e apresentador escocês mostra que, com um pouco técnica, paciência e bons ingredientes, se faz um ótimo prato. As receitas, divididas por ingredientes como aves, peixes, carnes, massas, ovos e frutas, são acompanhadas de comentários, dicas e fotos preciosas. Entre as delícias estão mexilhões em crosta de brioche e ervas e tatins de banana e rum. NIGELLA EXPRESS EDIOURO R$ 89,90 Feito para quem, como a autora, tem uma agenda lotada e pouco tempo para fazer uma refeição saborosa, o livro traz mais de 130 receitas fáceis e rápidas para diferentes ocasiões, como piqueniques, lanches, pratos típicos e, claro, almoços e jantares. Entre as receitas, que fazem parte do cardápio semanal da jornalista e apresentadora inglesa Nigella Lawson, estão porco com molho de mostarda e panquecas com xarope de mirtilo. JAMIE EM CASA ED. GLOBO R$ 79 Apaixonado por sua horta, o chef inglês Jamie Oliver testou ervas e vegetais em diversas combinações e selecionou algumas de suas melhores receitas para o livro Jamie em Casa. Dividida por estações do ano, a obra traz o que há de mais fresco em cada época, com dicas para cultivar os próprios temperos ou simplesmente repetir em casa o preparo de assados, carnes e até churrasco.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.