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O moderno revisitado

Pioneiros da fotografia experimental estão na mostra da coleção do Banco Santos, sob guarda provisória do Museu de Arte Contemporânea

Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Num texto fundador da modernidade, O Pintor da Vida Moderna, o poeta francês Charles Baudelaire opõe o homem ''comum'' ao artista, sendo o primeiro o indivíduo que compreende apenas as razões do mundo e o pintor, o homem que intervém nele, seguindo um movimento pendular entre o sonho e a manifestação do gênio. Baudelaire referia-se, enfim, a um artista com uma nova consciência do ser urbano, encarnado pelo pintor Constantin Guys, que buscava o eterno no cotidiano, pintando e desenhando personagens de bulevares, teatros e cabarés. A pintura deixava de ser uma arte da contemplação para ser uma arte da participação. Foi pensando em Baudelaire que a curadora Helouise Costa batizou de Fotógrafos da Vida Moderna a exposição que será aberta hoje, no MAC Ibirapuera, e que reúne alguns dos principais fotógrafos das duas primeiras décadas do século 20. Como o pintor Guys, eles buscaram uma visão do mundo sintonizada com suas transformações entre os anos 1920 e 1950, momento em que emergem fotógrafos como Rodtchenko, Brassai, Cartier-Bresson, Kertész, Edward Steichen e Herbert List, alguns dos mestres da mostra que reúne 154 fotografias, sendo 124 delas da coleção de Edemar Cid Ferreira, do Banco Santos, que está sob a guarda provisória do Museu de Arte Contemporânea. Foi há três anos que o MAC-USP recebeu da 6ª Vara Federal Criminal a guarda dessa coleção, exibida pela primeira vez ao público e que traz exemplares de fotos históricas. Estão lá desde as primeiras imagens experimentais de fotógrafos da vanguarda russa, como Rodtchenko, até os pioneiros da moderna fotografia no Brasil, entre eles o artista concreto Geraldo de Barros, passando por outros gigantes, dos quais basta citar os nomes de Man Ray, Robert Doisneau, Robert Frank e Jacques-Henri Lartigue para atestar a importância de uma mostra como essa. Por sua condição de visionários, todos eles poderiam ser classificados de modernos ou contemporâneos, o que obrigou a curadora a não fazer distinção entre categorias. Assim, o pioneiro surrealista Man Ray (1890-1976) figura tanto ao lado do realista Cartier-Bresson como do distorcionista Kertész e de Gisèle Freund, que morreu há oito anos e foi a primeira aluna de Walter Benjamin a escrever uma tese sobre ele. São imagens, diz ela, que remetem às transformações advindas da modernização. Justapondo fotos das coleções do Banco Santos, do MAC e do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, ela atestou a persistência de determinados temas e a convergência de olhares entre fotógrafos de diferentes nacionalidades, fenômeno que apontava, já no começo do século 20, para a internacionalização, ''para uma nova visão de mundo, resultante do intenso trânsito de pessoas, informações, idéias e técnicas''. Logo ao entrar, o visitante poderá ver como a fotografia deixava de ser, nos anos 1920 e 1930, uma forma de representação para se transformar, segundo a curadora, ''numa atividade de interpretação''. Os retratos assinados por Brassai (Picasso), Kertész (Chagall), Manuel Alvarez Bravo (Frida Kahlo) e Edward Steichen (Brancusi) tentam transmitir uma visão do universo artístico desses pintores e escultores sem cair na mera ilustração. A curadora nota, por exemplo, que o ângulo insólito com que Kertész capta Chagall e sua família em 1933 não é apenas delírio formal dessa figura seminal do fotojornalismo, mas uma tentativa do fotógrafo húngaro de evocar os personagens flutuantes do pintor russo. Nessa primeira sala estão registros históricos de artistas que marcaram o século 20 como representantes de movimentos artísticos de vanguarda, do cubista Picasso ao surrealista Dalí, passando pelo maior nome do expressionismo abstrato norte-americano, Jackson Pollock, flagrado em seu estúdio de Long Island, em 1949, por Martha Holmes, fotojornalista associada ao melhor período da revista Life. A curadora nota que a fotografia, então, passa a ser um passaporte para a construção da imagem pública do artista, o que não invalida o papel do fotógrafo como criador. Ao contrário. ''Muitos dos retratos que esse profissional produz tematizam a própria questão da representação'', observa. Prova disso são as fotos do ateliê de Segall por Hildegard Rosenthal, na mostra. A fotografia quebrava, enfim, as fronteiras entre a documentação e a experimentação. Entre uma imagem como Moça com Leica, em que o russo Rodtchenko ''desestabiliza a linha do horizonte'', segundo a curadora, e as sombras do campineiro Ademar Manarini, existe, portanto, algo em comum, pois são fotos que funcionam tanto como documentos de uma época como manifestos formais. Entre eles há um espaço para os registros sociais de Margaret Bourke-White e Eugene Smith, sendo a americana a pioneira a registrar imagens de sobreviventes dos campos de concentração nazistas. Nessa sala dedicada aos humanistas ainda há lugar para outros mestres dessa escola, consolidada já nos anos 1930: Brassai, Cartier-Bresson e Doisneau. Entre as raridades da exposição, dois autores se destacam: Leni Riefenstahl e suas fotos das Olimpíadas de Berlim e as fotocolagens do poeta Jorge de Lima. Imperdível. Serviço Fotógrafos da Vida Moderna. MAC Ibirapuera. Av. Pedro Álvares Cabral, s/n.º, portão 3, Ibirapuera, 5573-9932. 3.ª a dom., 10 h às 18 h. Grátis. Até 28/9

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