PUBLICIDADE

''O meu amigo Will apreciaria esse tributo''

Expert em HQ analisa relação do autor do Spirit com o cinema

Por Álvaro de Moya
Atualização:

Em 1958, eu trabalhava na CBS Television de Nova York e André Le Blanc me apresentou a meu ídolo desde 1942, quando vira a primeira publicação de O Espírito no Gibi. Will Eisner e eu ficamos amigos imediatamente, amizade que durou até sua morte. E nos encontramos também em Lucca, Roma, Paris, Frankfurt, Flórida, Nova York. Consegui que ele viesse ao Brasil diversas vezes. Conversávamos muito sobre cinema. Perambulando por Manhattan, falei que infelizmente Fritz Lang já tinha morrido, pois seria, na minha opinião, o diretor ideal para verter The Spirit para a sétima arte (e que Dennis O?Keefe era o ator ideal.) Eisner riu e me lembrou de uma historieta em que um jovem olhava a arma do crime numa vitrine. Tinha tomado emprestado da cena de M/O Vampiro de Dusseldorf (1931), em que Peter Lorre olha as facas expostas na vitrine da loja. Ele imaginava o cinema mostrando uma reinterpretação de uma história em quadrinhos que usava cenas famosas cinematográficas, filmadas de novo para a telona. Fritz Lang e John Ford no filme de Will Eisner em The Spirit, uma referência que vira reverência. Falei a ele que a sequência mais próxima de sua criação era A Dama Fantasma (The Phantom Lady, 1944), de Robert Siodmak, do livro de Cornell Woolrich, em que Ella Raines persegue um suspeito, entra no metrô e, de repente, ela é que se torna vítima e é atirada sob o trem que se aproxima. A perspectiva, as luzes do teto, os enquadramentos lembravam os quadrinhos do Spirit. Contou-me que recebeu um telefonema de William Friedkin, revelando que levara à locação no metrô de Operação França (French Connection, 1971), sua coleção de comic books de The Spirit e mostrara ao diretor de fotografia como deveria enquadrar cada take. Lembram de Gene Hackman correndo em direção à câmera e o trem atrás dele, filmado com teleobjetiva que achata a imagem? Toda aquela perseguição levou o filme ao Oscar de montagem. No filme de maior sucesso de Friedkin, O Exorcista (1973), Lee J. Cobb é visivelmente inspirado no Inspetor Dolan. O diretor convenceu o estúdio a escrever para o autor e a garantir os direitos de uma futura produção. Will me dizia, divertido, que todos os anos recebia um cheque renovando a opção. Finalmente, a produtora resolveu fazer um piloto para TV, que Will não aprovou, nem sequer leu o roteiro e foi ao ar sem seu OK. A TV Bandeirantes chegou a exibir esse piloto. Jules Feiffer, que deveria ter 14 anos quando trabalhou no estúdio de Eisner e soube que, quando foi lançada, em 1942, a obra-prima de vanguarda de Orson Welles, Cidadão Kane, houve um rebuliço no escritório, todos comentando entusiasmados a forma do filme que era a síntese do cinema até então. Naquele tempo, não sabiam que ali estava também a antevisão do cinema do futuro: Bergman, Fellini, Woody Allen, Godard, Kubrick e todos mais. Fellini costumava dizer que o leitor de fumetti é um coautor da HQ. O admirador cria imagens entre um quadrinho e outro, imagina movimentos e detalhes, guarda para sempre na memória aquela historieta. Agora, um de seus mais ilustres admiradores, Frank Miller, consegue aquilo que muitos leitores gostariam de fazer: um filme sobre The Spirit. No início de sua carreira, Miller telefonava para Eisner e era o único que poderia criticar seu trabalho, aceitando tudo que seu mestre observava. E cresceu como escritor e desenhista de quadrinhos, até se encantar com o cinema e adotar a função de diretor. E homenagear seu ídolo, recriando The Spirit como ele guardou na sua mente e no coração. É mais Sin City do que The Spirit, mas ainda assim é uma bela homenagem. Serviço The Spirit - O Filme (The Spirit, EUA/2008, 108 min.) - Aventura. Direção Frank Miller. 14 anos. Cotação: Regular

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.