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O melhor amigo que os ricos já tiveram

H.W. Brands escreve biografia que mostra Franklin D. Roosevelt como o presidente que traiu a sua classe para salvar o país

Por Caio Blinder
Atualização:

No New York Times, o colunista e Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman pergunta se vem aí o Franklin Delano Obama. Na caricatura da revista New Yorker, o presidente eleito dos EUA faz a pose clássica de Roosevelt com piteira na boca, sorriso esbanjador e acena para a massa com cartola na mão do carro aberto. Os paralelos históricos são assombrosos. Obama assumirá em 20 de janeiro próximo sob a sombra do maior presidente americano no século 20, aquele que enfrentou a pólio, a Grande Depressão e impérios do mal realmente da pesada. Ler sobre Franklin Delano Roosevelt, FDR para íntimos e não íntimos, hoje é tarefa obrigatória. Jornalistas se tornaram especialistas nos 100 primeiros dias do seu governo em 33 (com suas medidas espetaculares para debelar a crise econômica, algumas bem-sucedidas, outras equivocadas) e papagaios para repetir que a única coisa que devemos temer é o próprio medo. Tantos paralelos dão medo, mas o referencial FDR, de fato, é um consolo de como é possível superar adversidades, liderar na hora dramática e marchar contra as expectativas históricas. H.W. Brands escreveu uma biografia fascinante para mostrar como FDR não correspondeu às expectativas, devido ao contraste entre sua origem aristocrática e as reformas que ele empreendeu. O título é uma boa (e longa) medida do objetivo deste respeitado biógrafo de presidentes americanos e professor de história da Universidade do Texas, em Austin: Traitor to his Class: The Privileged Life and Radical Presidency of Franklin Delano Roosevelt (Doubleday, 896 págs., US$ 35). Somente George Washington e Abraham Lincoln, outros dois gigantes da galeria presidencial americana, mereceram mais biografias do que FDR. A pretensão de Brands não é trazer revelações estarrecedoras, mas salientar o contraste. Nascido em 1882 no Vale do Hudson, em Nova York, FDR era "quatrocentão". Pela lado da mãe dominadora, Sara Delano, ele descendia de Philipe de la Noye, que chegou em 1621 a Massachusetts, no segundo navio de peregrinos que fugiam das guerras religiosas na Europa. Os Delanos fizeram fortuna no século 19 no tráfico de ópio, mas esta é outra história. FDR era primo distante de Theodore Roosevelt (outro radical na Casa Branca) e casou com Eleanor, sobrinha do ex-presidente. Aos 25 anos, FDR já tinha um plano para chegar à presidência: deputado estadual em Nova York, subsecretário da Marinha, governador de Nova York e finalmente Washington. Foi a trajetória do primo Teddy. FDR chegou lá por um caminho acidentado, pois contraiu pólio em 1921, aos 39 anos. Brands escreve que, quando foi viver na miserável área rural de Warm Springs, na sulista Geórgia, em busca de águas medicinais, FDR adquiriu uma sensibilidade pela vida dos menos privilegiados e a determinação titânica que o preparou para enfrentar inimigos diabólicos como a Grande Depressão e Hitler. FDR reconheceu que, no final das contas, a Grande Depressão foi derrotada pela Grande Guerra, mas foram com os programas do New Deal que ele traiu sua classe. Brands vai direto ao ponto: "Os ricos nos dias de Roosevelt o culparam por vendê-los às massas. Seus herdeiros responsabilizaram o New Deal pelo crescimento do governo desde então. Mas os dois grupos não consideram a alternativa: não o laissez-faire, mas o fascismo americano. Roosevelt traiu sua classe, mas resgatou o país e provou ser o melhor amigo que os ricos já tiveram." Mas os mais pobres não podem se queixar. O New Deal estabeleceu as fundações do Welfare State nos EUA. FDR criou programas sociais, como a aposentadoria, considerados invioláveis. Nem os presidentes mais conservadores ousaram tocar nas vacas sagradas. A guinada filosófica nos anos 30 foi histórica, radical e profunda. FDR mudou o país ao mudar a percepção sobre o governo. A economia, particularmente em dias ingratos, deixou de ser problema privado. O Estado passou a ter responsabilidade para oferecer proteção social aos bancos, aos correntistas e aos não correntistas. E aqui é possível traçar alguns paralelos entre FDR e o que espera Obama, embora 75 anos mais tarde não haja ansiedade por um radicalismo desesperado e exista a constatação de que conquistas conservadoras da era Reagan, de estímulo ao espírito empreendedor americano, não devam ser ceifadas. No seu livro abrangente, Brands destaca que FDR também reorientou o pensamento americano sobre o mundo lá fora. Ele preparou o país para a luta contra o nazismo ao derrotar o isolacionismo (o ataque japonês em Pearl Harbor ajudou bastante) - segurança nacional exigia engajamento nos acontecimentos internacionais. Brands arremata que, na sua grandeza, FDR tinha uma grande fraqueza; aparentemente acreditar que poderia viver para sempre, ou pelo menos até o final da 2ª Guerra Mundial. Ele morreu em 12 de abril de 1945, em Warm Springs. Não há dúvida que FDR era um gênio político e por tal seremos eternamente gratos. O título da resenha do livro de Brands na revista The Economist é um ótimo editorial: O Homem Que Salvou Seu País e o Mundo. FDR é demais. Se houver comparações neste prematuro 2008, Barack Obama vai trair as expectativas.

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