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O lamento universal das emoções

Em Afetos, no Auditório Ibirapuera, André Mehmari mostra as pontes entre barroco e composições populares brasileiras

Por Francisco Quinteiro Pires
Atualização:

Uma apresentação que explora peças do período barroco e composições populares brasileiras do século 20 é possível somente porque "as representações das emoções humanas são uma constante". E também porque o instrumentista André Mehmari tem em sua casa um piano e um cravo italiano, ambos simbolizando "a síntese do meu coração musical." "Ao fazer o trânsito entre esses dois mundos, nós mostramos as oscilações, prova de que não existe uma distância tão grande", diz Mehmari. A segunda pessoa do plural é empregada pelo pianista niteroiense, de 32 anos, porque para Afetos, show inédito que ocorre no Auditório Ibirapuera, amanhã, sábado e domingo, ele convidou Dimos Goudaroulis (violoncelo), Neymar Dias (contrabaixo e viola) e Tiago Pinheiro (voz). Batizou o trio de Nó Barroco. No palco, Mehmari alterna entre o piano e o cravo. Para o repertório, ele selecionou composições de Claudio Monteverdi (sonatas, Lamento della Ninfa, Lamento d?Ariana, Si Dolce È Il Tormento, Oblivion Soave, Por Ti Miro), Antonio Vivaldi (Sonata Para Violoncelo e Baixo Contínuo em Si Bemol), Henry Purcell (Lamento de Dido), Chico Buarque (Com Açúcar, Com Afeto), Noel Rosa (Último Desejo), Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito (Mulher Sem Alma), Dorival Caymmi (É Doce Morrer no Mar), Tavinho Moura e Fernando Brant (Paixão e Fé), Milton Nascimento (Cravo e Canela), Elomar (Nas Estradas das Areias de Ouro e Cantiga de Amigo). As músicas de sua autoria são Lamento de Diadorim, Lachrimae, Canto Primeiro, Um Anjo Nasce e Valsa Romântica, poema de Manuel Bandeira que ele musicou. O italiano Claudio Monteverdi (1567-1643), além de nomear o estúdio onde André Mehmari grava os seus discos, como Miramari (leia mais ao lado), seu último trabalho, é considerado um dos últimos representantes do madrigal, transição entre a música renascentista e a barroca. Naquele período, entre os séculos 17 e 18, a tradição polifônica cedeu lugar à ópera. Só no início do século 19 esse sistema teria uma mudança significativa. "A postura musical é a mesma para os dois períodos", diz Mehmari. "A leitura da partitura barroca e a da música popular não têm muitas alterações." Do ponto de vista técnico, explica o pianista, as duas vertentes exigem em torno da melodia um acompanhamento harmônico inventivo, "que vai criando uma teia de ideias musicais". A exploração de elementos contrastantes nas composições também é uma das principais características em comum. "Por isso, apesar dos estilos peculiares, eu não vejo muita diferença entre Ná Ozzetti e uma cantora veneziana do século 17", diz Mehmari, que gravou com a cantora paulista o CD Piano e Voz (2005). Do mesmo jeito, ele não percebe diferenças no trabalho dos três músicos convidados, que seriam a prova da existência de "um mesmo sentimento musical". "Eles já entendem o que eu quero." "Pretendo mostrar, de modo honesto e maduro, para o ouvinte, a naturalidade entre o barroco e a música popular", diz. "Para isso estaremos a serviço das emoções que o texto musical pede." Mehmari diz existir uma universalidade tanto no lamento de uma peça de Monteverdi quanto no de uma canção do sambista Noel Rosa. "São atemporais." Os séculos podem separar dois sistemas musicais, mas não conseguem transformar a essência das emoções humanas. Serviço André Mehmari e Nó Bar-roco. Auditório Ibirapuera (800 lugs.). Av. Pedro Álvares Cabral, s/n.º, portão 2 do Parque do Ibirapuera, tel. 3629-1014. Amanhã (6.ª) e sáb., 21 h; dom., 19 h. R$ 30

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