O insólito encontro da poesia com O Poderoso Chefão

Consultor do roteiro do filme de Francis Ford Coppola, o poeta americano James Ragan conversa hoje sobre os dois gêneros

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Por Ubiratan Brasil
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Poeta, o americano James Ragan aproximou-se do cinema no qual trabalha hoje como roteirista ou consultor. Criou, assim, uma curiosa linha criativa que une a completa liberdade proferida pelos poetas com o rigor muitas vezes milimétrico exigido pela indústria cinematográfica. É sobre esse tema, aliás, que Ragan participa hoje da 4ª Semana de Orientação da Academia Internacional de Cinema, que termina amanhã. O tema é: Uma Vida em Dois Gêneros: Roteiro e Poesia. Consultor do roteiro de filmes como O Poderoso Chefão e O Franco Atirador, além de séries de TV, Ragan é também dramaturgo e premiado poeta. Sobre tais tarefas, ele conversou por e-mail com o Estado, antes de chegar a São Paulo. Qual é a importância da poesia atualmente? A poesia importa porque sempre foi o papel do poeta dar voz à verdade. Na atual cultura global, a corrida da mídia pela "verdade instantânea", desprovida de contexto, paralisou a necessidade individual por reflexão. E a poesia sempre demandou contexto e reflexão. O escritor de hoje corre o risco de deteriorar a linguagem a níveis da trivialidade, a partir de um vocabulário moldado com clichês, de fácil entendimento e palatável aos falsos intelectuais que povoam muitos cadernos de cultura. A linguagem vem sendo nivelada por baixo, debilitada pelo cinismo e pelo cyberspace, uma situação ainda distante de ser recuperada. A poesia inspira essa reconstrução. A poesia fala intimamente ao coração e à mente. Sua precisão pode inspirar cada um de nós como indivíduos e, por extensão, como nações. Como a poesia pode ser importante na escrita de um roteiro? A força evocativa da poesia sempre foi importante para um roteiro de cinema. O filme é um meio visual. Como a poesia, que exige do escritor uma linguagem condensada por meio da economia representada por níveis figurativos como metáfora, alegoria etc., um filme, da mesma forma, exige que o escritor condense a narrativa em uma sucessão de imagens. Os longas de maior sucesso são aqueles que promovem o feliz casamento entre a linguagem evocativa (diálogo)com o campo de batalha da imaginação, presente na imagem captada pela câmera. Em O Poderoso Chefão, por exemplo, quando a morte de Lucabrazzi é visualmente informada por meio da entrega de peixes embrulhados e acompanhados das palavras ?ele dorme com os peixes?, estamos usando uma metáfora. Gosto de lembrar dos primeiros roteiristas - não pela descrição estática que faziam dos personagens ("Ele tem quase dois metros de altura, olhos e cabelos castanhos e usa um terno"), mas pelas imagens que captam a fluidez de um filme e a essência do personagens ("Ele entra no quarto alguns metros à frente de sua sombra"). Cineastas, atores e diretores de fotografia adoram esse ponto de partida. No mundo atual, quem faz mais sucesso, em sua opinião: as pessoas que usam as palavras para destruir ou as que buscam mudanças? A verdade é minha inspiração primária. Em 1985, fui honrado com o convite de ler minha poesia ao lado de Seamus Heaney, Robert Bly e Bob Dylan para Mikhail Gorbachev (todos incentivadores) e para uma audiência de milhares de pessoas no 1º Festival Internacional de Poesia em Moscou. Durante uma entrevista, eu disse que o papel do artista (poeta) ainda é o de sensibilizar a mente dos reis (os líderes mundiais) para que, com esperança, eles possam também sensibilizar e moldar as mentes da sociedade. O poeta deve ser um "incentivador da palavra", o orador da verdade, aquele que escreve para injetar consciência na sociedade. Ou, em outras palavras, é papel do artista "confortar os aflitos e afligir os confortáveis". Acredito que, com a eleição de Barack Obama e a consequente elevação de linguagem para o nível de eloquência, os incentivadores sairão vencedores.

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