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O infinito particular do poeta Pessoa

Com a força e energia de cinco jovens e excelentes intérpretes, espetáculo português mergulha no amplo universo do autor

Por Jefferson Del Rios
Atualização:

Turismo Infinito é outro bom espetáculo de Portugal que chega ao Brasil e, no entanto, vai para além disso. É a sólida reprodução não só da poesia de Fernando Pessoa, mas do próprio poeta. Ele salta para fora da fotografia do burocrata ensimesmado e ocupa o palco com força incandescente. Cinco jovens e excelentes intérpretes com energia e emoção falam por ele e seus heterônimos (Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro) e duas figuras femininas comoventes. Tem-se, ao vivo e a quente, o homem no seu universo tão amplo quanto inalcançável nos limites que traçou. Vastidão para dentro de si enquanto transitava rotineiramente por Lisboa, o que sempre impressiona. O teatro se abre para uma navegação interior expressa nos versos que Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo, escolheu com precisão para o programa do espetáculo: "E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa/ Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem/ E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro/ E passa para o outro lado da minha alma." Não há como dizer mais de Fernando António Nogueira (1888-1935) em poucas linhas. Até porque, mesmo que seja por uma única poesia, um verso, não há quem não o conheça. O diretor encenador Antonio Abujamra gravou dois brilhantes CDs dos seus poemas. Pessoa e Eça são os autores de alto voo mais queridos dos brasileiros, seguidos por Florbela Espanca e (nos anos 40 e 50, Fernando Namora). Dos contemporâneos, desde José Cardoso Pires, Saramago e Lobo Antunes, muitos outros estão a ser descobertos, de Inês Pedrosa a Rui Zink. Quem venham mais: Jacinto Lucas Pires, José Riço Direitinho, e assim por diante. Em teatro é que estamos defasados. Poucos sabem das peças de Miguel Rovisco e vários outros. Diante desta evidência, cabe falar dos poetas do tablado que criaram o espetáculo. Artistas empenhados numa encenação de requinte e contido esplendor que já se nota na sugestão de infinito do cenário de Manuel Aires Mateus. O mais são palavras ditas com absoluto domínio verbal. A fala de Pessoa, sua mansidão, revolta ou desalento metafísico. O texto revelado é um cuidadoso painel de suas múltiplas facetas, o que inclui o Livro do Desassossego que a ensaísta brasileira Maria Lúcia Dal Farra considera um romance, o único de Fernando Pessoa. O espetáculo tem, e muito, o que Maria Lúcia define como uma coleção de estilhaços que sugerem apreensões fortuitas, devaneios, fulgurações, sondagem de repentinos enigmas, confissões. Este labirinto de palavras Antonio M. Feijó transformou em dramaturgia. Seleção impecável por um professor de Teoria Literária com olhos e ouvidos para o palco. A cuidadosa reinvenção de Pessoa pelo Teatro Nacional São João, do Porto, é, em sua instância final, realização de Ricardo Pais, um dos mais talentosos diretores do novo Portugal que emergiu em 1975 quando uma ditadura velha e sinistra veio abaixo. Naquela alvorada de abril e dos cravos, Ricardo frequentava o Drama Centre de Londres. Retornou imediatamente ao país e, desde então, tem ajudado a melhorá-lo seja em montagens inovadoras, seja como dinamizador dos teatros nacionais D. Maria II, de Lisboa, e São João. A ele devemos o elegante espetáculo Madame, texto de Maria Velho da Costa que reuniu duas figuras femininas exemplares de Machado de Assis (Capitu, de Dom Casmurro) e Eça de Queirós (Maria Eduarda, de Os Maias) interpretadas por - lá e aqui - por Eva Wilma e Eunice Muñoz. Unindo sensibilidade e inteligência cênica, Ricardo Pais dirige um quinteto que deixará saudades pela apaixonada representação e domínio vocal (João Reis, Emília Silvestre, Pedro Almendra, José Eduardo Silva, Luís Araújo). O diretor - com a colaboração de Nuno Cardoso - consegue plenamente um espetáculo que, como ele mesmo disse, "ajudará a criar ou a manter o gosto por Fernando Pessoa". Aventura criativa que faz de Turismo Infinito o instante absoluto em que nos reencontramos na língua, na poesia e no teatro. Serviço Turismo Infinito. Sesc Pinheiros. Rua Paes Leme, 195, 3095- 9400. Hoje (5.ª), amanhã (6.ª) e sáb., 21 h; dom., 18 h. R$ 20.

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