O inferno dos Rolling Stones

Livro relata como o grupo gravou Exile on Main St. em meio a drogas e orgias

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Por Ubiratan Brasil
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Os ventos não sopravam a favor dos Rolling Stones - em meio a disputas judiciais e problemas com drogas, o grupo não conseguia arrumar sossego para gravar o novo disco. A solução foi se isolar no sul da França. Era o início da década de 1970 e lá os músicos podiam viver tranqüilamente, preocupados apenas em compor e gravar, sem o assédio de fãs. O disco saiu, Exile on Main St., mas não sob um clima de paz e amor. O caos marcado pela promiscuidade sexual e muitas drogas recheia o delicioso relato de Robert Greenfield, autor de Uma Temporada no Inferno com os Rolling Stones (tradução de Diego Alfaro, 242 páginas, R$ 39,90), que a Jorge Zahar Editor lançou recentemente. Greenfield foi editor da revista Rolling Stone em Londres, entre 1970 e 1972. E, naquela época, 1971, os Stones já eram respeitados, pois, no mesmo ano, lançaram Sticky Fingers, seu maior sucesso comercial. A pindaíba, porém, rondava o caixa do grupo, fruto da péssima administração comercial dos anos anteriores. Para piorar, a receita federal da Inglaterra batia à porta, quase esmurrando. Assim, a França revelou-se um paraíso para quem devia uma fortuna em impostos. Era tudo ou nada: o disco novo e uma turnê pelos Estados Unidos encheriam os bolsos e aliviariam a situação; já o fracasso poderia sepultar definitivamente a carreira do grupo. Apesar de tanta pressão, as dificuldades foram outras. Morando em uma bela mansão em Nice, que abrigou nazistas durante a 2ª Guerra Mundial, o grupo sofria basicamente com os problemas do guitarrista Keith Richards que, apesar de ter se submetido a um tratamento para se livrar do vício da heroína, não conseguia se manter longe da droga, picando-se várias vezes por dia. As gravações aconteciam no porão da casa, mas, em várias oportunidades, Mick Jagger gastava mais tempo procurando por Richards, que desaparecia. O trabalho, aliás, já havia sido interrompido pelo casamento do próprio Jagger com Bianca Rose Perez-Mora. E a cereja do bolo destruído foi a promiscuidade sexual entre os freqüentadores da casa, onde as drogas apareciam mais na pauta que a música. Mesmo sendo um estorvo, Richards era a alma do projeto, a ponto de a essência de Exile on Main St. seguir o seu gosto musical. Tais dificuldades não impediram os Stones de lançar, em maio de 1972, um de seus melhores álbuns e, logo em seguida, iniciar a famigerada excursão pelos Estados Unidos. Obsessivo, Robert Greenfield retrata esse inferno com idêntica temperatura de ebulição, não escondendo detalhes que descobriu ao passar dez dias na casa, onde entrevistou Richards. Outro inferno, esse ficcional, é detalhado por Fiodor Dostoievski em seu maravilhoso Os Irmãos Karamázov (1.040 páginas, R$ 98), que a Editora 34 lançou em dois volumes, com uma precisa e preciosa tradução de Paulo Bezerra. Considerada por muitos como a síntese do trabalho do autor russo, a história acompanha a trajetória de Fiodor, bêbado e bufão, pai de três filhos que levam uma vida não menos atormentada. Lançado no fim de 1880 (pouco antes da morte do autor, em janeiro do ano seguinte), o romance é ambicioso ao revelar um meticuloso trabalho lingüístico de Dostoievski para quem as diferentes formas de falar dos personagens revelavam suas distintas condições sociais. Para isso, promoveu a mistura do russo arcaico com o moderno, resultando daí períodos longos cuja coloração é uma pontuação pouco usual. Menos sufocante, mas com uma boa dose de emoção, a longa narrativa de Musashi (Estação Liberdade, tradução de Leiko Gotoda, 1.800 páginas, R$ 218) equilibra bem ação com meditação. Escrito por Eiji Yoshikawa (1892-1962), o livro narra a real trajetória do samurai Miyamoto Musashi, que viveu na era dos xoguns, presumidamente entre 1584 e 1645. Figura contraditória, ele sofreu profundas alterações na vida - de garoto selvagem e sanguinário tornou-se um guerreiro equilibrado, cujo espírito evoluído o transformou no mais sábio dos samurais. O grande número de páginas não intimidou o leitor brasileiro que, nos últimos dez anos, consumiu mais de 100 mil exemplares, um feito para um livro que, sozinho, se equilibra em uma estante.

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