O homem que desenterra abominações

Há dois anos, Gonçalo Jr. ?vive? com seres pouco recomendáveis para criar seu livro

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Por Geraldo Galvão Ferraz
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Viciado em quadrinhos e heavy user de cinema e literatura, Gonçalo Jr. é baiano, tem 40 anos, vive em São Paulo desde 1996, mas ainda é torcedor doente do Bahia. Porém sua paixão é mesmo o mundo cujo sistema solar gira em torno das HQs (ele foi daqueles fãs que produziram fanzines na adolescência), carregando planetas de filmes inesquecíveis, leituras maravilhosas e, naturalmente, um grande asteróide cheio de monstros, parte dos quais revela agora na Enciclopédia dos Monstros. Antes desse, Gonçalo Jr., que é jornalista (trabalha na revista Trip, depois de passagem por outros veículos), escreveu Pais da TV (2001), A Guerra dos Gibis (2004), Tentação à Italiana (2005) e O Homem-Abril (2005), entre outros. Sobre a Enciclopédia, ele conta que tudo começou quando a editora Ediouro buscava idéias para uma série de almanaques (uma designação mais exata que enciclopédias, no caso) junto a um grupo de gente como Gonçalo, que, entre outras coisas, respira cultura pop o tempo todo. Gonçalo Jr. fez sugestões como desenhos animados japoneses, mangás, Drácula, vampiros e...monstros. Esta emplacou e, há dois anos, Gonçalo Jr. vive na companhia desses seres pouco recomendáveis. Como foi a pesquisa? "95% das imagens do livro são do meu acervo. Pesquisei mais um pouco, assisti a 140 filmes raros, inclusive vários que comprei pela internet, sobretudo temporadas de seriados japoneses antigos. Achei ali monstros maravilhosos, inclusive um cor-de-rosa com cara de macaco que atacava os humanos porque defendia a natureza." Esse monstro ecológico avant la lettre está na coleção, o que não foi possível aos 57 Dráculas dos quadrinhos que o autor relacionou, mas que se reduziram a menos de uma dezena, por problemas de espaço. Gonçalo lamenta que a impossibilidade de ter dois ou três volumes para abrigar sua pesquisa, tenham-no impedido de incluir monstros de brinquedo, monster trucks, monstros da literatura de cordel, por exemplo. Os monstros entraram na vida dele já na infância, quando ele ia nas férias escolares à fazenda dos avós, no interior da Bahia. Por lá corria a história de uma mulher que havia sido torturada e chorava toda Sexta-Feira Santa. Um dia, quando a família foi fazer uma visita, passou pelos restos da senzala onde se ouvia o choro e um grito cortou a noite. Nunca se soube o que acontecera, mas a lembrança de Gonçalo sobreviveu até hoje. Daí para a leitura sôfrega da revista Capitão Mistério, foi um passo. Ele conta: "Meu monstro favorito é Frankenstein. Eu me identifico muito com ele. Não tem muita noção do que acontece, é combatido, discriminado. Também não se ajusta às regras." A paixão por Frankenstein e cia. fez Gonçalo trabalhar de 12 a 14 horas por dia, ao longo de oito meses para completar o livro. Agora, na mesma intensidade, toca seus dois próximos projetos. Um, é uma biografia de Eugenio Hirsch, talvez o maior nome do design gráfico de capas de livros que já houve no País, autor sobretudo das capas da editora Civilização Brasileira nos anos 60. Gonçalo descobriu a mulher que acolheu Hirsch nos seus últimos anos e cedeu uma caixa cheia de pertences do designer, incluindo uma autobiografia inconclusa e várias cartas. Outro projeto em progresso de Gonçalo é um livro que reviva as páginas da revista O Grilo, um marco das HQ no Brasil, publicada em São Paulo. Serviço Enciclopédia dos Monstros, de Gonçalo Jr., Ediouro, 304 páginas, R$ 59,90

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