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O gênio do ex-perna-de-pau

Celebrado no Brasil e no exterior, o arquiteto carioca João Filgueiras Lima, o Lelé, de 76 anos, recebe prêmio em São Paulo e diz que espontaneidade da criação arquitetônica hoje passa primeiro pelo desafio tecnológico

Por Jotabê Medeiros
Atualização:

Lelé era o nome de um meia direita do Vasco lá pelos idos de 1947, 1948. João Filgueiras era um garoto magricela do juvenil do Vasco que jogava na mesma posição e "herdou" o apelido do titular. Foi assim que João Filgueiras Lima, um dos maiores mestres da arquitetura brasileira, virou simplesmente o Lelé, profissional que tem-se empenhado ao longo de sua vida inteira a demonstrar que, na arquitetura, materiais pré-fabricados e artefatos industriais podem servir à plasticidade e à criatividade humanas. Sua reputação é reconhecida no mundo todo. Foi escolhido o melhor arquiteto da América Latina na 9ª Bienal de Arquitetura de Buenos Aires, teve sala especial na Bienal de São Paulo, além de ter representado o Brasil na 7.ª Bienal de Arquitetura de Veneza. Lelé, carioca do Encantado, de 76 anos (mas cidadão baiano de coração), esteve em São Paulo no dia 22 para receber o Prêmio PINI 2008, uma comenda da indústria da construção civil paulistana, no Shopping Frei Caneca. Antes da cerimônia, falou ao Estado. Relembrou o jogador de futebol que lhe deu o apelido ("Ele jogava bem, eu jogava mal. Eu era um perna-de-pau") e a época em que se ofereceu a Oscar Niemeyer como voluntário para a construção de Brasília. Não foi difícil, ele conta. "Carioca tinha horror à idéia de ir para Brasília. Tinha de pegar voluntário a laço." Jovem arquiteto que enxergou ali a oportunidade, ele foi o primeiro a chegar à nova capital federal. Nem alojamento para os trabalhadores existia. Lelé fazia uma função parecida com a de engenheiro de obra e foi o encarregado de construir as instalações para os operários. Chegava a entrar em buracos de 30 metros de profundidade. Lelé conta que tocava acordeão em boates e levava uma vida de boêmio quando um amigo o convenceu - por conta de umas boas caricaturas que fazia - a prestar vestibular para a Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro. Não tinha a menor convicção de se tornar arquiteto. "Acho que essa coisa de arquiteto foi uma casualidade em minha vida, um acidente, como outros acidentes." Depois das obras de Brasília, tornou-se auxiliar de Darcy Ribeiro, então reitor da Universidade de Brasília, e passou a coordenar os cursos de graduação da UnB. Com o recrudescimento do regime militar no governo Médici, foi afastado da universidade. Hoje, Lelé atua quase que exclusivamente como coordenador técnico da parte física da Rede Sarah de hospitais, especializados na reabilitação de pessoas com problemas físico-motores. O arquiteto dedica quase todo seu esforço criativo ao desenvolvimento de sistemas construtivos que tornem a rede hospitalar mais funcional, eficiente, econômica e segura no tratamento de moléstias. São hospitais considerados revolucionários. Mas, de vez em quando, Lelé também se volta para a questão básica da moradia humana, e projeta residências. Belíssimas, por sinal. "São coisas que faço para amigos, geralmente", diz, modesto. "Faço prédio também, produzo para prefeituras, coisas como passarelas. Fiz oito prédios para o Tribunal de Contas da União, mas em um convênio. A Rede Sarah trabalha com convênios. Só não consigo fazer isso de forma sistemática, porque tenho muito trabalho nos hospitais." Complexo multidisciplinar, a fábrica de produção da Rede Sarah tem setores de mecatrônica, de eletrônica. "No início, a importação de equipamento dava problema, então passamos a fabricar nossos equipamentos, dos elevadores e mobiliário a esquadrias motorizadas."

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