O futuro pode ser melhor do que pensamos

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Por Redação
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Eu estava em Londres em 1967, quando saiu o Sargent Pepper dos Beatles e lembro que havia em King''''s Road uma espécie de comício dissolvido nos olhares, uma palavra de ordem flutuando no vento, ''''blowing in the wind'''', como cantava o Bob Dylan. O mundo careta tremia, ameaçado pelo perigo do comunismo e pela alegre descrença que os hippies traziam. O capitalismo rosnava de humilhação, condenado como sistema injusto e repressor da sexualidade. Houve uma primeira reação careta com o ''''fim do sonho'''' durante os anos 80, quando morre Lennon, mas com o fim da guerra fria, pareceu-nos que os Estados Unidos iam derramar pelo mundo seu melhor lado: a democracia liberal mais generosa, autocrítica, modernizadora. Parecia que a liberdade era quase uma necessidade de mercado. O mundo ocidental parecia estar lindamente ''''condenado'''' à democracia, à multilateralidade, à tolerância. Mas, não era esse o desejo dos caretas republicanos que já na época planejavam este horrendo presente que temos hoje. Essa máfia de psicopatas republicanos queria se vingar do desprezo que sofreram nos anos 60, se vingar do vexame de Nixon e Watergate, se vingar dos Beatles, dos Rolling Stones, de Marcuse, de Dylan, da arte, dos negros, das mulheres livres, e principalmente da liberdade sexual que sempre odiaram. Imaginem Bush, Karl Rove ou Rumsfeld diante de um Picasso, ouvindo ''''free jazz''''. E, sem dúvida, conseguiram impor: o mercado global insensato, roído de homens-bomba e medo, a destruição do Iraque, o Ocidente como cão infiel do Oriente. Foi a vitória radical da caretice estupida contra a modernização do mundo, tanto no Ocidente, quanto no fundamentalismo islâmico. O medo de um mundo mutante está na base dos fundamentalismos. Osama, o maior estrategista dos séculos, acelerou e legitimou a burrice dos caretas no poder, fazendo a paranóia ganhar vida nova com o ataque a NY. Osama e Bush se uniram, sob a aparência de inimigos, numa aliança fundamentalista contra a democracia. O poder que se estratificou na América de Bush tenta exterminar todas as conquistas dos anos 60 e a sabedoria conquistada com o sofrimento de duas Guerras Mundiais. Em parte, conseguiram, mas creio que já há sinais no ar de que esta fase careta, dura, suja, esteja declinando. O terrorismo já denota sinais de arrefecimento, apesar dos periódicos alertas vermelhos do Bush, para manter seu eleitorado. A miséria que ronda o Islã é perigosa porque armada e suicida, mas a própria tecnologia que são obrigados a usar - internet, armas - talvez esteja começando a roer seus princípios fascistas e totalitários. O espantoso avanço da comunicação horizontal, via web e telefonia, está provocando uma nova dialógica política e social natural, provocada pelas coisas mesmas. Na América, uma possível vitória de Hillary, com Clinton de eminência parda, o surgimento de Obama, já indicam talvez o fim de um ciclo republicano repugnante. É claro que continua viva uma outra paranóia contra a contemporaneidade: o pavor do descontrole racional sobre o mundo, ou melhor, da ilusão de controle que os intelectuais tinham: ''''Ah... porque o humano está se extinguindo, a grande narrativa, o sentido geral...'''' Mas, pergunta-se: que ''''humano'''' é esse que só no século 20 gerou duas Guerras Mundiais, Hiroshima e Nagasaki, Vietnã, China, Polpot, África faminta, etc... Que ''''humano'''' é esse que os racionais tentam preservar? Claro que a rapidez do avanço da tecnociência dá frio no estômago, mas de alguma forma a vida mesma dará um jeito de prevalecer e talvez esse atual fantasma dos metafísicos esteja justamente nos libertando de antigos ''''sentidos'''' tirânicos, talvez uma melhoria da qualidade de vida possa vir justamente da desorganização da ''''idéia única'''', tão amada pelos hegelianos de plantão. O Google é mais importante que o enciclopedismo iluminista. O mundo está se desunificando sim, em forma de uma grande esponja, em vazios, em avessos, em buracos brancos que vão se alargando, à medida que a idéia de um tecido da sociedade ''''como um todo'''' se esgarça. Não há mais ''''células de resistência'''', apenas ''''buracos de desistência''''. Há tribalizações de grupos, sem proselitismo; há uma recusa ao mundo, aceitando-o como algo irremediável, mas sem conformismo. Por dentro de seu luto, as tribos se desenham. O que os já antigos ''''slackers'''' ou ''''gothicos'''' ou ''''rastas'''' ou ''''ravers'''' querem alcançar é uma forma de identidade alternativa. As tribos não almejam mais o poder, inclusive porque o poder está em mil pedaços no mundo todo. Se antes a idéia de alienação era condenável, hoje a alienação é aquilo que se deseja. Hoje, a desesperança total está parindo novas formas larvais de sobrevivência. E isso pode ser o novo rosto da humanidade se formando. Um novo humano, sim. Robotizado, tecnologizado talvez, pós-humano, talvez, mas podem estar se forjando novos espaços de liberdade e de cultura. Que temos hoje e teremos no futuro? Na boa? Acho que já estamos lá. A paisagem deste presente-futuro: no eixo central, teremos a fria competência no ''''mainstream'''' das corporações e não há força possível no mundo que impeça isso. E, em volta, haverá as ''''esponjas alternativas'''', na periferia. Antes, lutávamos contra uma realidade complexa, sonhando com utopias totalizantes. Era o ''''uno'''' contra o ''''múltiplo''''. Hoje, é o contrário; a luta é para dissolver, não para unir; luta-se para defender o vazio, o ócio possível, a cultura não-descartável, luta-se para proteger o ''''inútil'''' da arte, o que não seja ''''mercável''''. Hoje, o inimigo principal não é mais a ''''burguesia'''' gorda e fumando charuto; o inimigo é um totalitarismo empresarial que ninguém comanda. Agora, os novos combatentes não sonham com o absoluto; sonham com o relativo.

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