PUBLICIDADE

O futuro não será mais o que era

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

O título deste artigo é de Paul Valéry e ganha um tom de profecia sobre as mudanças radicais de nossa época, analisadas no livro do filósofo Adauto Novaes, o excepcional Mutações - Novas Configurações do Mundo (Ed. Agir) -, que me estimula a estas pobres reflexões. Diante da bobeira geral, eu arrisco minhas profecias, pois, afinal, minha ascendência começou com um remoto adivinho árabe, N?Jame ("estrela"), que, segundo meus tios, previa o futuro no deserto, de camisola suja e sandálias de camelo. Vamos lá: O século 21 começou com o 11 de Setembro e agora, no 16 de setembro, as torres de Wall Street continuaram a cair. Que nos acontecerá? Ou melhor, haverá "acontecimentos" ainda ou os fatos vão se dissolver no mar morto do futuro? Nem no capitalismo podemos mais confiar... Com a grande aceleração do espaço-tempo e da vida virtual, o "aqui" e o "agora" serão fugazes. O passado será chamado de "depreciação" e teremos nostalgia de um presente que não tem repouso e angústia por um futuro que não pára de "não" chegar. Qualquer esperança de sínteses será impossível. O mundo vai ser fragmentário, um fluxo sem nexo, e nossa infinita mediocridade no universo ficará nua. Como poderemos ser "humanos" perante a ascensão incontrolável da tecnociência? Diante das miríades de fatos irrelevantes e indecifráveis, teremos saudades da "perspectiva", do princípio, do meio e do fim, teremos saudades do inútil e da lentidão. As coisas que já mandam no mundo, vão acelerar sua tirania. Está sendo criada uma "epi-natureza" onde o homem não mandará mais em nada, com projetos que fugirão sempre de seu controle. Será o tempo da deliciosa ?reificação?, quando seremos felizes como "coisas" - previsão de Marx ao escrever: "O capital cria não apenas objetos para o sujeito, mas também o sujeito para os objetos" - (li no livro...) Definitivamente, será o fim do "Sujeito". Os últimos resquícios dessa ilusão individual serão abolidos. No século 21, haverá apenas a mecânica operacional das máquinas, barrando qualquer interferência humana. Como a História será incompreensível, talvez floresçam "Parques Temáticos de Sentido" (os PTS), hiper-Hollywoods, onde poderemos viver epopéias que acabam bem, harmonias platônicas teatralizadas ou grandiosas apoteoses de lógica e sentido. Talvez criem o Museu do Ser, com bela arquitetura grega, pré-socrática, como Partenons do espírito, com a curadoria de descendentes de Kant e Heidegger. Este mundo opaco vai gerar uma fome pavorosa de transcendência, violentas e bárbaras religiões em grandes "Woodstocks do absoluto", já visíveis hoje nos showmícios evangélicos e nos rituais fundamentalistas. Deus, que tinha morrido, renasce nas igrejas que serão cada vez mais supermercados de esperança. Por isso, podem surgir os "Templos dos Universais", reunindo as "coisas ausentes", como disse também Valéry: "Que seria de nós sem criações, fábulas, arte, mitos, crenças? Que seria de nós sem o socorro do que não existe?" Com o crescimento de acontecimentos irrelevantes e incessantes, serão inventadas drogas da câmera lenta, do vazio, do inerte, do descanso pelo tédio. Haverá "campos do nada", ou melhor, "spas" cinco-estrelas, luxuosos, para os privilegiados que poderão, por tempo determinado ou para sempre (dependendo do desespero do freguês), abolir os cinco sentidos, em busca de um silêncio sensorial absoluto, como vimos no clássico de ficção científica Tiger! Tiger!, do grande Alfred Bester. Mergulhados em uma incompreensão total dos signos, nenhuma Razão restará a não ser as razões do mercado planetário, onde vogaremos em permanentes catástrofes financeiras logo esquecidas e recuperações econômicas saudadas pela eterna esperança dos perfeitos idiotas. A política será definitivamente um espetáculo e o mundo uma grande "economia sem sociedade", se espalhando por cima dos ex-Estados-Nações. O caos geral será saudado como "liberdade total do mercado", mas a angustiante liberdade pessoal ficará insuportável, como previu Dostoievski em O Grande Inquisidor. As prisões e jardins zoológicos serão invadidos pelas massas, com uma grande fome de servidão e a utopia da submissão será atingida finalmente. Jamais haverá a democratização das teocracias do Oriente, como queriam os USA, em nome do petróleo, mas, ao contrário, teremos um forte desejo de orientalização no Ocidente - a paz medieval. O terrorismo existirá para sempre, como um esporte radical, visto com naturalidade, como olimpíadas de homens-bomba. O corpo humano vai mudar. Os primeiros sinais já estão no silicone, nas próteses, nos narizes decepados, nas clonagens, nas transmutações genéticas. Haverá uma "involução da espécie". Por falta de interação com a natureza, os corpos vão degenerar e aspirar à condição de "aparelhos". As orelhas vão tender para celulares; os braços, para tentáculos vorazes; os olhos, para telas de cristal líquido; os paus e vaginas, para eixos e encaixes. Acabará o amor romântico. Só tesões instantâneas e fugazes. A fome de mais prazer esgotará a sexualidade e criará aparelhos eletrônicos e virtuais. Haverá hiperorgasmos, tão fortes que viverão mais além dos limites do corpo, sozinhos - orgasmos sem carne, orgasmos gemendo no ar. A arte acabará, destruída pelos efeitos especiais. Dela só ficarão as emoções, reproduzidas em computação: o belo, o sublime, o épico, o lírico, o trágico - bastará a programação de algum êxtase estético, mas sem obra por trás. Na América Latina, guerrilhas e ditaduras também serão parques temáticos, como viraram os "zapatistas" de Chiapas, visitados pelos intelectuais franceses. Teremos perímetros fechados de revoluções virtuais, estimulados pelas corporações, para dar vazão ao desespero e ódios, à maneira dos antigos sacrifícios astecas. Haverá o fim da piedade, o fim da compaixão e as populações miseráveis ou desnecessárias ao mercado serão exterminadas, sob os protestos inaudíveis de humanistas fora de moda. Serão chamadas de faxinas demográficas... Será o fim do fim.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.